terça-feira, 30 de junho de 2009

Bases para um humanismo contemporâneo - II

Quando falo em humanismo quero dizer algo tão genérico como o seguinte: colocar o(s) outro(s) como um factor relevante nas minhas ponderações quotidianas. Sendo que outro significa aqui a sua integridade. Portanto, resumidamente, procuro fazer um esforço para ponderar o outro naquilo que ele é e deseja.

Depois há limites: os da minha integridade. Algures existe um espaço não definível, mas vivenciável, onde dois ou mais individuos são capazes de se sintonizar.

Mas tudo isto é demasiado abrangente e acaba por não servir para nada se não for enquadrado em algo mais denso. É isso que eu tento fazer nestes textos.

Mas tem servido, pelo menos para suportar uma ideia onde assenta a minha ética: o espaço público é o lugar de negociação, cuja finalidade é, a partir da conversação social, encontrar espaços onde se encontram marcas de expressividade de todo e qualquer individuo.

Mas essas marcas de expressividade só servem a sociedade quando vão para dentro do espaço de fluxos e passam a ser reproduzidas. Quando circulam no seio do diálogo social e lhes é dada oportunidade de servir e participar na construção social.

Nesta visão a dinâmica de poder não pressupôe a imposição de ideias e pontos de vista ao ponto de suprimir as alternativas do espaço público de circulação. Pelo contrário, aqui o poder está na capacidade para retirar dividendos dos conteúdos que circulam. O que pressupõe considerar que o outro é sempre uma fonte de conhecimento de valor.

Isso exige muito a cada cidadão. Somos todos guardiões dessa dinâmica. É dever de cada um preservar, na sua actividade quotidiada, em cada um das suas ponderações, a capacidade para permitir que a todos, com quem conversa e partilha espaço, seja dada a oportunidade de se expressar.

Num ambiente complexo a participação de todos não é apenas uma boa acção de uns quantos, é uma necessidade. É um bem de autopreservação porque é o meio para preservar e desenvolver a sociedade onde estamos inseridos.

«Quem sabe colaborar?»

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Bases para um humanismo contemporâneo

Para muitos esta crise é a demonstração da necessidade de mudar. Mudar o sistema económico, social e político. Alguns andam mesmo entusiasmados com o facto de "isto" estar a mudar. Contudo talvez seja ainda permaturo falar em mudança efectiva. Chegará lá, mas ainda demora. Faltam mais algumas sacudidelas.

Mas é fundamental compreender que só será possível mudar quando se oferece uma alternativa. Que ainda não existe. Talvez alguns esboços. Mas nada ainda de substancial.

Hoje valorizar o ser humano - o outro - é o grande desafio.

A sociedade da complexidade trouxe consigo um ambiente quotidiano muito diverso: onde se convive diariamente com o normal e o estranho, o conhecido e o incompreensível, o hábito e o imprevisto. O que é novo talvez seja a quantidade de vezes em que nos deparamos com todos esse aspectos que fogem à nossa intelegibilidade imediata e intuitiva.

Sem dúvida que o ser humano tem ferramentas cognitivas preparadas para lidar com tudo isso. Mas para além da manutenção daquilo que é hoje conhecido, vivido e usado, que por si só, e em função da complexidade já atingida, exije grande capacidade e esforço multidisciplinar, o que é novo exige um esforço suplementar. A ser verdade que a grande alteração está na quantidade de vezes que somos atingidos pelo imediatamente cognoscível e pelo incognoscível, então este ambiente exige maior capacidade de investimento, mais e melhor esforço.

Será determinante encontrar uma visão que esteja de acordo com as características da sociedade complexa, ou seja, inovação, diversidade, circulação e complexificação crescente. Isso solicita a aprendizagem como um aspecto central da nova ética individual.

Mas será suficiente? Não. As soluções de hoje exigem diferentes abordagens e conhecimentos complementares. Já não é possível lidar com o ambiente de forma isolada, individual, sem incorrer no erro de simplificar ao ponto de empobrecer a visão desse mesmo ambiente. Perdendo com isso capacidade para lidar com as próprias solicitações que advém do aumento da complexidade que construímos.

É necessária uma cooperação mais intensa e dinâmica.

A cooperação deve ser dinâmica porque o ambiente é dinâmico. A ética da aprendizagem individual é em parte uma resposta, mas tsmbém um efeito na criação desse ambiente complexo, diverso, dinâmico e instável.

Portanto, cooperar também entra no domínio dos desafios da sociedade complexa. Cada indivíduo, numa sociedade tão diversa como a nossa, é em si mesmo parcialmente incompreensível e estranho aos olhos dos outros. Desta forma também aqui a aprendizagem e tolerância se tornam em ferramentas fundamentais para lidar com o meio.

Não há cooperação sem tolerância ao estranho, mas também não há forma de cooperar sem reduzir o grau de estranheza que qualquer outro possa provoca em nós. Temos de nos familiarizar com cada um que é outro, mas não devemos reduzi-lo às nossas imagens do certo e errado, sob pena de diminuir o seu potencial contributo no âmbito da colaboração. Só assim o outro tornar-se-á numa extensão de nós próprios: vendo o que nós não conseguimos, tendo soluções que nós não temos, criando comnosco...

Valorizar o outro é crucial num ambiente onde a colaboração é uma necessidade. Mas isso só se faz quando aprendemos o que é o outro sem excessos de espectativas.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Mais palestras de Michael Sandel

Reith Lectures 2009: Morality in Politics (lecture 2)

http://www.bbc.co.uk/iplayer/console/b00l0y01



Reith Lectures 2009: : Genetics and Morals (lecture 3)

http://www.bbc.co.uk/iplayer/console/b00l59hf

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Quem sabe colaborar?

Por aqui na nossa terra é muito comum ouvir críticas à inexistência de espírito de colaboração. Dizemos nós de nós mesmos que somos incapazes de trabalhar em equipa.

Na abordagem usual, vivida, quotidiana, essas críticas surgem como um sintoma de irreconciliação entre o cidadão e as suas espectativas. Mas de facto "Roma não se fez num dia". Estamos a aprender.

Digo eu que essa intolerância é por si só um bom indicador, uma vez que representam em si mesmo uma revalorização do acto de colaborar. E também demonstram que existem forças internas que reagem e estabelecem limites. Logo, para mim são altamente encorajadoras. Mas é necessário convertê-las em trabalho de transformação e construção.

É verdade que este sentimento gera enormes frustrações. A consciencialização dos próprios erros e insuficiências é a fase mais crítica de qualquer processo de mudança. Porque gera perguntas mas não dá respostas; porque gera vontade que não é acompanhada de capacidade efectiva; porque se apresenta como óbvia ao indivíduo, mas nada diz sobre a forma como vai ser abordada pelo colectivo. E, de repente, o tempo urge. E a urgência aumenta a intolerância. E a intolerância crónica gera isolamento. E o isolamento cria um maior desfasamento entre o indivíduo e a sua realização. E assim se desenvolve um padrão comportamental negativo.

Mas estamos aqui e somos o que somos. A recriminação pode servir de bolsa de ar, por um breve período. As críticas podem confirmar as nossas altas espectativas de que o desenrolar dos acontecimentos será negativo. Dando uma sensação de satisfação que em parte é altamente perversa: a confirmação é uma forma de recompensa intelectual que tende a reforçar as nossas ideias, e, portanto, tende a fechar o nosso mundo num mundo de hábitos de pensamentos.

São esse hábitos que estão e têm de ser postos em causa.

Alguns estudos indicam que as exigências relativas à colaboração estão a aumentar: são cada vez mais complexas porque exigem mais colaboradores, maior diversidade de competências e personalidades, maior capacidade de afirmação individual, maior capacidade de ajustamento de todos e exige que todos os membros se mantenham actualizados, exige grande capacidade de síntese e velocidade de decisão, exige aprendizagem colectiva, exige grande capacidade de gestão de recursos humanos, logísticos e materiais em simultâneo, etc.

Ora, se a realização dos desejos individuais depende da capacidade de realização do colectivo, esta tendência sugere que as necessidades e a necessidade de implementar colaborações é cada vez maior. A valorização da colaboração é um primeira etapa para responder a esse desafio. Falta agora aprender a colaborar. Não basta o desejo. Não basta a exigência. Não basta a intenção.

Mais: parece-me que no que toca à colaboração, neste ambiente de complexidade, os portugueses estão a dar os primeiros passos. Porque não acompanhámos convenientemente a evolução social do mundo no periodo anterior ao 25 de Abril. E aquilo que deveria ser feito por estágios, maturado, internalizado, tem de ser feito num ápice.

E isso deverá gerar maiores assismetrias, disconexões, incompreensões,... Até que se compreenda efectivamente como lidar com essa dificuldade.

Ao vivermos numa forma de vida profundamente desajustada às necessidade de um mundo complexo criámos esse conflito entre o desejo individual e a capacidade efectiva de concretização da sociedade no seu todo. Esse desajustamento é assinalado quotidianamente pelo alta intensidade das respostas emocionais. Nós estamos dentro dum padrão de hábitos que é conservado pela intensificação das respostas emocionais. Não convertemos a irritação, frustração, etc, em trabalho de promoção da coesão social. Optamos por reagir emocionalmente de forma mais ou menos íntima: oscilando entre o silêncio e a explosão. E assim não somos capazes de reverter essa insatisfação em trabalho qualificante e em tempo útil. Ou assim parece para alguns.

Sabe-se hoje que bastam pequenas mudanças nos hábitos mentais e comportamentais para que subitamente se crie um movimento cognitivo e social tão alargado e profundo que permite alterar toda a perspectiva da envolvente de um conjunto crescente de pessoas. Do que vejo estamos a entrar num limiar desse tipo. Cá estarei para me regozijar por viver num período tão fértil e entusiasmante.

(Texto rearranjado a partir de outro publicado no blog Bisturi a 31 de Março de 2009)

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Moral e Mercado

Por Michael Sandel

Para o professor de Harvard a sociedade ocidental evolui de uma economia de mercado para uma sociedade de mercado. Onde tudo tem um preço.

Este professor contesta a bondade desta forma de organização social e política. Considera que isso leva muitas vezes à degradação da moral e com isso do sujeito moral. Em algumas circunstâncias isso reduz a própria condição - valor - do ser humano.

A solução que nos apresenta é limitar o mercado e permitir que várias situações do quotidiano da nossa sociedade sejam conduzidas apenas pela moral. Isso implica revalorizar a conversação social e a escolha democrática.

http://www.open2.net/reith2009/index.html