domingo, 26 de julho de 2009

A confiança e a sua relação com a capacitação individual, social e económica

Premissa 1ª: o valor de cada conteúdo cognitivo resulta e é o resultado da confiança que lhe é atribuído;

Premissa 2ª: a mente está organizada de forma hierarquizada, de modo que a importância/confiança de cada conteúdo cognitivo é variável;

Premissa 3ª: o grau de confiança num conteúdo é determinante na variação da sua taxa de replicação;

Premissa 4ª: quanto mais fluxos internos gera um coletivo mais propenso fica para promover a criatividade e inovação.

Se estas premissas forem verdadeiras podemos afirmar que uma das prioridades de qualquer sociedade, colectivo ou relação deve ser gerar confiança entre os seus elementos. Não sei se estão correctas, foram aqui colocadas sem qualquer validação científica. Porém, não deixo de considerar que neste espaço faz todo o sentido falar dos assuntos que me interessam, encaro o blogue como um lugar para ensaiar alguns pensamentos. As premissas que aqui apresento são contudo o resultado das minhas observações empíricas quotidianas.

Insisto, se a confiança gera capacitação individual, social e económica porque confere maior capacidade de acção, de raciocínio, comunicação e criatividade e se estas premissas correspondem, mesmo que aproximadamente, à realidade da dinâmica social e cognitiva, então o nosso país deve tornar prioritário o debate sobre formas e implementação de políticas de Estado e de regulação cultural que incidam no aumento da confiança entre os portugueses.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

A importância das coisas

A nossa mente está estruturada de forma hierárquica. É óbvio, para qualquer ser humano algumas coisas são mais importantes do que outras.

Essa importância é comunmente atríbuida aos valores de cada indíviduo (ou dos valores partilhados pelos colectivos). Sem dúvida que os nossos valores, que se constituiem na nossa moralidade, ética, conjunto de interesses e competências, são responsáveis pela forma como se organiza hierarquicamente a nossa personalidade ou, por outras palavras, a nossa estrutura cognitiva. Mas não é a única.

A importância relativa que conferimos às coisas resulta da via interna, mas também é devida a causas externas. O nosso ambiente modula de forma determinante aquilo que consideramos importante, seja estrutural ou circunstancialmente. Embora, diga-se, pela reflexividade da nossa mente na sua relação com o meio esta separação seja extremamente fluída. Mas não deixa de ser relevante compreender que o que importa a cada individuo não é apenas uma questão de valores, mas também os assuntos com os quais se tem de confrontar com muita frequência.

É tão importante para a qualidade de vida de um cidadão ver o mundo evoluir de acordo com a sua moral ou com a sua ideologia, como a resolução de um problema muito concreto com o qual se debate no seu quotidiano. Para a qualidade de vida de um católico será tão importante constatar que se implementaram “boas” políticas de família como verificar que foi colocando um jardim onde anteriormente era um espaço abandonado; para alguém à esquerda a implementação de uma boa política social pode ser razão tão válida para se sentir melhor com o mundo tal como verificar que foi resolvido o problema de estacionamento na sua localidade. As políticas tal como as relações pessoais devem ter em conta que cada indivíduo valoriza certos aspectos por via da sua própria organização cognitiva, tal como valoriza outros aspectos porque os considera problemáticos e que, embora menos valorizados internamente, tem de lidar com eles com frequência no seu ambiente quotidiano.

Interiorizar esta visão é determinante para a forma como nos dispomos a avaliar o outro, seja no contexto individual seja num contexto de definição de uma prática política, porque nos permite compreendê-lo não só pelo que ele é mas também pela forma como o contexto o envolve e estimula. Para quem tem por objectivo criar espaços de conforto essa é uma questão absolutamente determinante.

domingo, 12 de julho de 2009

A epistemologia do mercado

Este artigo pretende discutir o mercado e a forma como os seus “amantes” o usam no seu argumentário político. Usando uma certa «Epistemologia do Mercado».

A epistemologia da ciência faz o mesmo para as ciência em geral: o positivismo surgiu como um movimento filosófico que via a ciência como uma comunidade neutra, objectiva, que tomava decisões independente do meio cultural que a envolvia. Os apologistas do mercado fazem o mesmo: interpretam as reacções do mercado como se fossem reacções independentes do seu contexto. Isto é, apresentam argumentos do tipo: o mercado evoluiu para aqui, portanto a sociedade deve reorganizar-se de forma a responder positivamente às aspirações do mercado para beneficiar o ambiente de negócios. Depois, associado a este tipo de lógica, são adicionados outro conjunto de afirmações como: são as empresas que criam emprego e/ou desenvolvimento, a política deve estar ao serviço das empresas, a política deve promover a sua competitividade.

Estes argumentos são muito fortes. São tão fortes que têm conseguido moldar a lógica das sociedades, convertendo-as, levando-as a aceitar tacitamente esta forma de pensar. A tal ponto, que muito do que se faz em política é ditado pela interpretação das reacções dos mercados.

Vejamos o exemplo concreto dos recibos verdes. Uma argumentação típica dos “amantes” do mercado é interpretar esta reacções do mercado, da expansão da contratação de serviços/trabalho por recibos verdes, como uma necessidade, emergente, de aumentar a flexibilidade do mercado de trabalho. Esta interpretação, tal como a resposta do próprio mercado, é adequada à filosofia do sistema, vamos chamá-lo aqui pelo rótulo genérico, de capitalista.

É bom que se entenda que não me refiro à procura do lucro com qualquer censura moral. Pessoalmente defendo a criação do máximo de empresas lucrativas possível. Iremos verificar que a minha posição não diaboliza o mercado, pretendo apenas reposicioná-lo e questionar esta epistemologia que defende que uma das principais prioridades do estado é apresentar políticas que respondam às necessidades explicitamente apresentadas pelas empresas, leia-se mercados.

O problema da argumentação capitalista que relaciona de forma determinista o aumento dos recibos verdes, da flexibilidade e da capacidade concorrencial das empresas que operam no mercado, é fazer desse mesmo mercado, dos seus comportamentos e reacções, o equivalente ao que a biologia faz quando observa a dinâmica dos ecossistemas naturais. Como se não existisse uma diferença entre leis naturais e leis económicas. Independentemente da discussão epistemológica da objectividade, o mercado é uma construção humana e os ecossistemas naturais não são. A dinâmica biológica é independente da vontade e escolhas dos seres humanos, a dinâmica do mercado não. O mercado é o resultado de decisõese espectativas dos seus operadores, cujas comportamentos depende das suas interpretações. O comportamento do mercado é fruto da criatividade humana e as suas decisões do seu livre-arbítrio.

Defender que a proliferação dos recibos verdes é uma resposta do mercado, porque este exige maior flexibilização não é uma leitura económica errada. Isso é de facto o que diz o mercado. O que está errado não é essa interpretação, é tentar passar a ideia de que, primeiro, essa evolução era a única escolha que tinha o mercado e, segundo, que essa deve ser a única fonte de justificação para as decisões e orientação dos agentes políticos.

A filosofia que se instalou em certos domínios é que o mercado tem reacções naturais. E por naturais querem dizer reações que são independentes do “desenho” social, das políticas estatais, das espectativas dos gestores, da sua visão sobre as prioridades da gestão, da própria capacidade e funcionamento do mercado. Quando alguém favorável ao sistema capitalista diz que o mercado “pede” maior flexibilidade não está só a dizer que, na dialéctica entre mercado e sociedade (política), esses são os desejos do mercado. Pelo contrário, sugere que esta é a trajetória natural da sociedade e que esta deve satisfazer o mercado em nome da sua própria sobrevivência e desenvolvimento.

Mas não é isto tudo um argumento político? É. Mas podemos continuar centrados apenas na análise económica. O mercado pede flexibilidade porque se rege pela maximização do lucro e pela maximização da eficiência produtiva. É a sua lógica, é o seu racional. É um objectivo aberto e transparente. E na óptica da empresa tem sido sempre um objectivo salutar.

Mas tal como se diz muitas vezes sobre o diálogo social, onde por vezes se fazem políticas sociais para resolver problemas emergentes sem ter em conta os custos a longo prazo, também as empresas, demasiadas vezes, procuram o lucro sem ter em conta aspectos mais importantes e decisivos no longo prazo. A proliferação dos recibos verdes é uma decisão do mercado, mas essa escolha não é fruto de um comportamento "natural" do mercado. Essa decisão é uma entre as várias possíveis que o mercado pode tomar. E só foi possível enveredar por esse caminho porque a política criou esse sistema de contratação.

O custo de oportunidade pode ser aqui determinante nas decisões das empresas. E a oportunidade aqui é uma tomada de decisão para ganhar vantagens de curto prazo. Que do ponto de vista da gestão é perfeitamente lícita. As empresas em função da sua própria racionalidade usaram aquilo que tinham disponível para facilitar a sua acção, porque os recibos verdes permitem aumentar os graus de liberdade dos gestores, dando melhores condições para operar no mercado competitivo.

Mas será que essa decisão, com vista à própria rentabilização a longo prazo do próprio negócio e do mercado, era a melhor via? Ou foi tomada porque era mais fácil, porque estava facilmente disponível?

Se o mercado faz escolhas em função da arquitectura de mercado, que é desenhada pelo políticos e inerente à própria cultura (onde se incluem trabalhadores, empresários e outros), não é possível defender que o mercado funciona como uma “mão invisível”. A mão está lá, a montante ou implicitamente, a desenhar o tal ambiente e a moldar as decisões dos gestores. Todas as decisões políticas mexem com o mercado, com mais ou menos impacto. Inevitavelmente. Apoios à ciência, tipos de cursos criados, conteúdos dos programas escolares, leis de qualquer tipo, apoios à exportação, etc. Todas elas alteram as condições de procura e oferta de ideias, trabalhadores, empresários, produtos, etc.

A proliferação dos recibos verdes associado a uma interpretação determinista do tipo “mais recibos verdes é um sinal da necessidade de maior flexibilidade do mercado de trabalho” fez do mercado o grande "alimentador" de políticas. Os empresários, nas suas plataformas associativas, ao acreditarem legitimamente nesse argumento estão mais centrados em fazer política e menos em criar valor para o empresariado. Criaram uma certa obsessão acreditando, ou deixando passar essa mensagem, que a vida das suas empresas e dos trabalhadores vai ser um oásis depois de alterada a legislação do trabalho. Ao invés de aumentar a produtividade pelo aumento da riqueza, vitalidade ou dimensão dos seus mercados estão preocupados com questões de curto prazo e que não dependem deles próprios nem da sua competência. Aqui o debate é político e não económico.

É também um argumento dissociativo porque provém do facto da própria medida de criação dos recibos verdes ser uma medida política reclamada pelo mercado, o que sugere que esta é já a sua disposição que moldará as suas decisões e comportamentos, depois reclamam que a sua expansão é uma consequência natural das suas necessidades. Naturais?...

A dinâmica pode ser tão dissociativa que os agentes do mercado podem acreditar profundamente que o seu principal problema está no mercado de trabalho, dirigindo todo o seu esforço para uma luta política específica e disponibilizando-se menos para a discussão sobre a sua qualidade de gestão. Se o ambiente e cultura facilitam essas opções - como a do recibo verde - esse caminho pode ser seguido apenas por ser o “mais fácil”. Fazendo com que as empresas descurem outras vertentes do negócio: as vendas, a inovação, a eficiência administrativa, o posicionamento no mercado, a formação, as parecerias, etc.

Esse comportamento demonstra como a política faz o mercado e vice-versa. Ambos têm de cooperar e noutras ocasiões discordar. Por vezes é errado fazer certas alterações porque essa não é a escolha da sociedade. Embora uma sociedade responsável deva ter em conta a importância da promoção do ambiente propício para os negócios.

Contudo, em certas ocasiões isso requer desenhar um sistema global que seja propício para os negócios mas que não altere esse aspecto específico da vida social, mesmo que essa seja a espectativa do mercado. Um empresariado que se diz refém da legislação do trabalho é um empresariado passivo, sem criatividade nem força. Os agentes políticos que não são capazes de defender a sociedade do mercado, encontrando contudo soluções que sejam promotoras do desenvolvimento económico e das empresas também deve ser visto como passivo, sem criatividade nem força.

Não há mercado sem cultura, a eficiência do mercado também depende da cultura que o envolve. Uma coisa são os méritos da economia de mercado quando compete com uma economia de outro tipo, outra coisa é discutir a sociedade pelos méritos do mercado quando esta compete com outras economias de mercado. Aqui não basta usar o mercado como única fonte legítima (ou quase exclusiva) das políticas públicas. É nesse plano que devemos estabelecer a nossa discussão. Uma empresa com produtos inovadores, apetecíveis, que faz boas vendas, aguenta salários altos, falta de flexibilidade, etc. Nessas ocasiões aguentam um certo grau de ineficiências de vária ordem. Empresas que estão no limbo, essas sim estão sempre a procurar ganhar eficiência através dos mecanismos legislativos, descentrados da sua própria área de negócio.

Mesmo que exista a necessidade de adequar as leis do trabalho, não estou qualificado para afirmar isso, desconfio que os ganhos de produtividade com essa medida sejam marginais. Os nossos desafios estão dentro e fora das empresas, não me parece que se deva dar tanta atenção às leis do trabalho. Acho que isso nos distrai: à sociedade, aos políticos e aos empresários.

Portanto, o mercado é feito por humanos para humanos. Não é ambiente natural. O seu desenhos faz-se de escolhas. Existe e deve existir liberdade política para desenhar o mercado tal como consideramos mais justo, eficaz e certo.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Nova Política: moral e relativismo

Em linhas gerais as quatro Reith Lectures de Michael Sandel foram baseadas na defesa da seguinte ideia: a política e a sociedade foram tomadas pela ideia de que tudo tem um preço. Ou, por outras palavras, que cada vez mais coisas podem ser enquadradas pelo ângulo da economia, nomeadamente economia de mercado.

Esta filosofia procurou retirar do âmbito do debate e da acção política os assuntos morais, conferindo-lhes o rótulo de “assuntos técnicos e/ou admnistrativos”. Essa conquista assentou numa crescente confiança nas ciências: por um lado, porque a sua criatividade na formulação de soluções sociais tem sido avassaladora, segundo, porque prevaleceu a noção de que estas baseavam as suas análises livres de valorizações. Fossem elas de âmbito político, social, moral ou cultural. Essa ideologia caiu. Já são poucos os que acreditam que a ciência é neutra.

Hoje é possível afirmar que as ciências são em si mesmas domínios de âmbito cultural, com éticas próprias, inserida no diálogo social, logo impregnadas pelas visões política dos seus meios envolventes. Ora, tendo tido a ciência um papel fundamental na construção da sociedade contemporânea, quando se altera a nossa visão sobre as suas faculdades obviamente que isso também exige alteração no seu posicionamento como actor da política.

A ciência não é omnisciente nem neutra, exige-se por isso uma maior participação de outros actores e uma prevalência cada vez maior de outras formas de estabelecer a governação das sociedades. As democracias terão de evoluir para uma maior participação e isso faz-se dando maior capacidade para as populações influenciarem os seus destinos.

Como defende M. Sandel os debates políticos têm de incluir e traduzir com maior frequência os assuntos da moral, incluindo na conversação social argumentos mais subjectivos. Mas isso cria novos desafios. Cada força social e política procurará influenciar o decurso da trajectória social, e as relações sociais e políticas tenderão a ficar mais tensas - porque aumentará o espaço para a negociação.

É em função desta situação que uma nova ética terá de florescer. Algo que regule as relações sociais e que se posicione entre as visões absolutistas e o vale tudo. E assim afirmo que o relativismo se torna num imperativo cultural.

A filosofia relativista pode ser mal interpretada e pode ter várias formulações. Mas eu aqui defendo aquela que é uma forma de relativismo com força moral. Ou seja, não encaro o relativismo como a defesa da anarquia ou do niilismo. Nem da indiferença. Defendo, isso sim, que o relativismo é uma filosofia moral, que se oferece como uma alternativa aos absolutismos e paroquialismos, porque é uma filosofia que valoriza à vida, as pessoas e os seus aspectos quotidianos. Que, simultaneamente, permite conciliar posições morais, construtoras de identidades, com a valorização do outro. Relativismo é uma ética relacional, que se opôe às éticas essencialistas (absolutistas e paroquialistas).

Ser este tipo de relativista é viver sempre com um certo grau de cepticismo; é valorizar a inteligência e conhecimento do próprios e do outro; é considerar fundamental aprender e mudar; é considerar a coerência como um meio e não um fim. É acima de tudo viver quotidianamente com a ideia de que a nossa própria identidade pode e deve ser posta em causa permanentemente. Só assim se pode viver num meio civilizado onde o subjectivo tem força de argumentação.

Caso contrário...

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Última palestra de Michael Sandel (Reith Lectures)

Reith Lectures 2009: A New Politics of the Common Good (lecture 4)

A New Politics of the Common Good


Ver aqui outras Reith Lectures.

sábado, 4 de julho de 2009

A integridade e a resiliência social

Tenho usado muito o termo integridade, é importante esclarecer qual o significado que lhe dou.

E começo pelo que não é. Quando defendo que todos temos o dever de proteger a nossa integridade individual e a de qualquer outro cidadão, não estou a defender a conservação das identidades num determinado estado estático. Isso nem sequer é possível, por mais que já tenha sido tentado.

Parto para esta análise através do seguinte pressuposto banal: todos os indivíduos são diferentes. E defendo que essa diferença identitária provém (é causa e consequência) da existência de um núcleo cognitivo cuja composição é diferente de qualquer outra, mesmo que seja ligeiramente. No conjunto da personalidade e na suas relações internas essa situação faz cada indivíduo pensar e se comportar de forma diferente dos demais. Isto é, a suas lógicas são sempre diferentes. Ora, isso permite a cada um contribuir com uma visão do mundo, com propostas para cada assunto concreto, que mais ninguém poderia oferecer.

O significado desse núcleo é colocar cada pessoa dentro do seu próprio nicho ecológico. O que noutras palavras pode ser assumido como o seu contexto. E o posicionamento em cada nicho assegura uma valorização diferenciada de certos assuntos (objectos), uma elevada capacidade para acompanhar a trajectória desses assuntos, uma certa capacidade para os ligar aos contextos mais abrangentes, etc.

Como vivemos num mundo altamente complexo essa diferenciação permite aumentar a densidade e abragência sensorial e intelectual na relação com um determinado espaço da realidade, isso é fundamental. Mas a complexidade do ambiente também se caracteriza pela sua diversidade. E para lidar com essa diversidade é também fundamental potenciar essa densidade individual através da sua disponibilização para o todo, permitindo alargar essa base sensorial e capacidade intelectual. A articulação entre a dimensão individual, densamente especializada, e a dimensão social, significa uma maior capacidade para gerar fluxos. Que é hoje uma necessidade, para conseguir desenvolver as sociedades e os seus indivíduos nessa interdependência que lhe é característica.

Cada indivíduo isoladamente é incapaz de apanhar e processar todos os estímulos que o rodeiam, por isso depende da conversação para incorporar as leituras dos outros já sintetisadas. Desta forma aumenta a sua abrangência individual sem com isso aumentar o esforço intelectual dirigido a um assunto para o qual não estava preparado.

É nesse contexto que é necesário manter todos em actividade. Porque é desta forma que é possível dar ao contexto uma maior capacidade, abrangência e intensidade, para assimilar e processar todos os estímulos que hoje constituem o ambiente que nos envolvem quotidianamente. No qual se incluem a multiplicidade de espectativas, as nossas próprias e as espectativcas dos outros.

Aquilo que deve ser protegido na forma como lidamos com cada ser humano é a sua prontidão funcional. Todos temos um grau de resiliência. Aprender a lidar com isso é aprender a lidar com o outro porque exige conhecer o outro, naquilo que ele é. Procurando ajudá-lo a lidar com os desiquilibrios do seu desenvolvimento e com os seus ciclos de restruturação.

Portanto defendo que cada vez mais temos o dever de proteger os outros, acompanhá-los nas suas trajectórias próprias procurando manter o seu limiar de funcionalidade. Significa isso, suportar a sua capacidade produtiva ao nível económico, promover a sua capacidade de participar na conversação social, aumentar com isso os fluxos sociais e, com isso, a coesão interna da sociedade, e manter activo o potencial criativo de cada um, que só pode ser conseguido quando a pessoa é capaz de convocar a sua identidade para apresentar propostas que conciliam observação da realidade e processamento conforme os seus valores.

Como a capacidade de cada um depende da capacidade individual e da capacidade oferecida pelo seu contexto, quando protegemos o outro estamos também a proteger os nosso próprios interesses. Daí a importância de encarar o espaço público como um lugar de negociação e de construção intersubjectiva.

É essa conjugação entre a identidade e o ponto de resiliência que consisdero ser a integridade que deve ser protegida.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Bases para um humanismo contemporâneo - III

Para muitos esta crise é a demonstração do efeito nefasto da ausência de ideologias. Será? É uma leitura possível.

Contudo considero que o humanismo pouco deve às ideologias do passado: fossem religiosas, políticas, económicas ou científicas. Porquê? Porque as ideologias são estruturas cognitivas que para se manterem activas exigem muita estabilidade. Sendo elas uma base lógica do pensamento e comportamentos dos seus proponentes qualquer estímulo que perturbe a sua estrutura não é bem recebida.

As ideologias criam um verdadeiro amor a si próprias. Quem adere a uma ideologia não se relaciona com os outros através daquilo que eles são, nem sequer tem essa preocupação, o seu objectivo é encaixar o outro na trajectória cognitiva adequada aos príncipios da estrutura ideológica, tanto ao nível do seu pensamento como do comportamento.

A ideologia não tem respeito pela integridade do outro. E por isso considero que qualquer excesso de ideologia será um passo atrás na humanização das relações e do espaço social.

O fim das grandes ideologias deu-se para dar lugar a esta sociedade mais dinâmica, diversa e complexa. Não aconteceu porque o ser humano simplesmente escolheu acabar com elas, elas são incompatíveis com esta sociedade. Nós vivemos numa sociedade que vive numa grande tensão entre a alta instabilidade gerada por um ambiente multiestimulador e os grandes núcleos de elevada regularidade e estabilidade. Mas é toda essa estimulação que faz desses núcleos espaços de reconstrução permanente. E isso seria incompatível com uma estrutura que se sustenta em si própria, que orienta todos os raciocínios dentro da sua própria lógica. Que convive mal com a perturbação.

No nosso mundo, liberal, das sociedades abertas, a ideologia tende a ser substituida por pequenos conjuntos de princípios, mais posicionados na aprendizagem e reconstrução permanente do que na orientação de uma forma definitiva de ser. A coesão social, que não é mais do que o grau de interesse que manifestamos para ouvir e colaborar com aqueles que constituem a nossa envolvente, passa a ser sustentada na capacidade de gerar resultados. Quando as ideologias foram substituidas por pequenos núcleos de princípios orientadores a sociedade adquiriu uma capacidade se crescer em complexidade que é ela mesmo a referência de avaliação do estado do sistema. Se crescemos estamos bem, não crescemos estamos mal.

Se estamos bem e avaliamos a nossa trajectória recente como sendo positiva geramos confiança, libertamos a criatividade, geramos mais nichos mas com elevados índices de coesão, se os resultados são vistos como negativos a tendência é aumentarem as probabilidade para criar um ciclo de destruturação e homogeneização.

Esse é o novo espaço da ética humanista: aprender a conviver com a perturbação. Ser resiliente quanto baste, o suficiente para manter sempre uma base ética de exploração da nossa intimidade e integridade, mas sem ser demais para estarmos abertos aos outros e à negociação no espaço público. Ou seja, ser diferente q.b.

Cada um pode e ocupa um nicho ecológico próprio. E essa é a sua mais valia quando o ambiente é complexo.