terça-feira, 22 de setembro de 2009

O problema da ética e do seu ajustamento ao mundo complexo

Finalmente acho que estou a conseguir identificar o problema que me levou a criar este blogue. Sei desde o início que tenho por objectivo desenvolver uma ética ajustada aos novos desafios da sociedade complexa. Mas isso é demasiado genérico. Tambem sei que a minha abordagem será alicerçada pela caracterização do sistema cognitivo: pelas novas teorias, conceitos e análises que leio e faço sobre o assunto.

Este interesse em desenvolver uma estrutura ética a partir do conhecimento das ciências cognitivas prende-se com os seguintes motivos: i. a ética é uma dimensão integrante da função cognitiva; ii. a nossa sociedade complexa é uma sociedade de produção; iii. esta sociedade de produção exige a todos os cidadãos a máxima expressão das suas competências; iv. essa exigência depende do bom funcionamento do sistema cognitivo, que depende da correcta gestão de espectativas; v. espectativas baixas não potenciam o individuo, espectativas altas criam dinâmicas de dissociação, logo a própria estrutura ética que nos governa deverá emanar da avaliação correcta das capacidades efectivas do ser humano.

Só assim, julgo eu, pedindo ao cidadão o que ele tem capacidade de cumprir e simultaneamente promovendo a sua evolução constante, será possível conciliar conhecimento e aprendizagem com felicidade individual.

Vivemos num ambiente social que exige sistematicamente resultados ao nível da economia, nas artes e cultura, nas relações familiares e entre amigos, na apredizagem formal e informal, no trabalho, etc. Por isso denominei-a aqui por sociedade de produção. Exigem-se resultados ao nível da produção individual, mas não só. Também se avalia a forma como cada um promove o crescimento do colectivo em que participa. Mais: a cada cidadão é pedido que contribua em quantidade (produção em série) e em qualidade (inovação). Ora isso requer que a capacidade intelectual de cada um seja capaz de lidar com tanta exigência.

Contrariamente ao que foi difundido no passado, para ultrapassar todos esses obstáculos não chega a racionalidade. Pelo menos tal como esta foi caracterizada no passado. Existem muitas outras dimensões cognitivas que são fundamentais para a promoção da boa função cognitiva.

Outro dos díficeis problemas com os quais nos deparamos é que na base desta exigência a sociedade diz que temos de ser simultaneamente criativos e realistas. Em boa verdade este pedido é ambivalente: a criação é sempre, e em parte, fruto de idealização e o realismo exige uma boa ligação aos estímulos que o ambiente faculta. Sabendo que o tipo de ética faz diferença na forma como cada cidadão pensa, se comporta e como se relaciona com os outros e com o seu ambiente em geral, diria que esta aparente contradição só pode ser resolvida no âmbito da renovação da estrutura ética que nos governa.

O objectivo é criar formas de governação das relações sociais que incidam mais no estímulo da produção intelectual e menos na restrição comportamental. É necessário sanar esta contradição para criar as melhores condições de funcionamento do sistema cognitivo individual e colectivo.

Portanto o que é uma boa função cognitiva? E como é que se consegue promover uma boa função cognitiva para cada cidadão?

Esse será o mote das próximas discusões neste blogue, para a qual conto com a participação daqueles que se interessam por esta questão, independentemente de qual seja a sua abordagem.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Dilema e uma moral ajustada

No que toca à capacidade cognitiva individual a estrutura de estímulos ambientais sempre foi muito complexa. Todavia as sociedades actuais são cada vez mais exigentes. São-no porque a estrutura de estímulos que constitui o quotidiano de cada um de nós é hoje mais complexa: o nosso contexto é diverso, instável e incoerente.

Os nossos quotidianos exigem que se trabalhe com gente e equipamentos diversos, cujas formas de funcionamento se baseiam em diferentes pressupostos e em constante evolução. As figuras que estão nos cargos de poder estatais, das empresas, nas associações, etc., são substituídas por outras e com elas as instruções de funcionamento. Muitas regras sociais mudam rapidamente, inclusive são diferentes de lugar para lugar e de instituição para instituição. Isto é, nas nossas sociedades actuais as instruções emanadas pelo poder são multilógicas, tanto no espaço como no tempo.

Ora, em função do que foi dito no post anterior isto significa, por um lado, que existem inúmeras regularidades que nos circundam e nos solicitam respostas específicas e, por outro, que a composição lógica dessas regularidades surge frequentemente irreconciliável. Parece-me lícito afirmar que a convivência com a disparidade e incoerência ambiental exige muito de nós, uma vez que uma das missões do nosso cérebro é criar um sentido coerente acerca da nossa envolvente. Sabendo que a nossa organização cognitiva resulta da interacção com o nosso contexto só podemos concluir que a nossa mente é, hoje, muitíssimo fragmentada. Falo de fragmentação lógica, obviamente.

E não é tudo. Vivemos hoje em sociedades de produção: a nossa cultura é simultaneamente de produção em massa e inovação a todos os níveis. Seja para a economia, para a arte, saúde, educação e política é importante comunicar, inovar, produzir, aprender, tentar, colaborar, investir,... A cada cidadão é pedido que produza e reproduza bens, opiniões, ideias, e isso requer uma enorme capacidade cognitiva. É por isso que se diz que é mais importante estimular do que reprimir; que é mais importante fazer e falhar do que não arriscar. Estas instruções estão de acordo com as necessidades da cultura de produção, na qual manter uma boa função cognitiva, fluida, de baixa conflitualidade interna, é determinante.

Vivemos numa sociedade de produção que exige eficácia, logo adequação às especificidades de cada situação, e isso exige muita consulta e envolvência com o dito ambiente complexo. Todavia vivemos num ambiente disperso e incoerente que é em si mesmo um factor potenciador de conflitualidade lógica. Uma das consequências desse imperativo, de estreitar a relação com a realidade fragmentada é a necessidade de convocar recorrentemente inúmeros elementos lógicos diferentes e criar diferentes conjugações da estrutura de decisão (ou de poder). Pretende-se com isso adequar a estrutua de decisão a cada situação. Contudo, neste ambiente, com esta dinâmica, é comum convocar para a estrutura de decisão certos valores que entram em conflito. Isto é, na nossa sociedade confrontamo-nos frequentemente com dilemas que exigem grandes compromissos. Ora esses conflitos podem pesar e criar indecisão. E a indecisão é uma contrariedade no âmbito das sociedades de produção.

Portanto, quanto mais diversa e incoerente é a nossa sociedade mais difícil é estabelecer um sentido adequado para cada situação, mas a sociedade de produção exige prontidão nas respostas, logo conhecimento concreto para cada domínio específico da realidade, e isso é potenciador de conflitualidade interna. Esta dinâmica encerra inúmeros dilemas do nosso quotidiano.

Para lidar com esta sociedade precisamos de encontrar uma moral que nos congregue mas não nos encerre cognitivamente, que, não resolvendo o dilema, facilite a nossa convivência com as escolhas. Uma moral que nos incentive a ser multidimensionais e simultaneamente nos confira identidade. Uma moral que promova a boa função cognitiva, porque só desta forma vivemos adequadamente com o nosso meio.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Moralidade e nicho cognitivo

A nossa moralidade é composta por um conjunto limitado de elementos cognitivos. A sua organização é fundamental porque é central para o desenrolar da criatividade, sociabilidade e para alicercar a noção de identidade individual. A sua tarefa é instruir logicamente a função cognitiva do indivíduo, tanto ao nível do seu comportamento como do raciocínio.

A organização interna da estrutura moral e sua a relação com a estrutura de estímulos ambiental é determinante para a qualidade da função cognitiva.
Os elementos que a compõem provêm de um processo de selecção. É essa selectividade que prepara o indivíduo para lidar eficazmente com o seu ambiente natural, social e cultural. Só assim, resultante de um processo de aprendizagem permanente, se adequam as suas reacções às solicitações promovidas pela interacção com o seu contexto.

Do ponto de vista cognitivo podemos classificar a moralidade como a estrutura lógica que está no poder. Mas como disse no início a sua amplitude é limitada. A sua composição é o resultado de um processo de compressão* da realidade, através da escolha de certas regularidades que povoam a nossa envolvente e com as quais nos deparamos ao longo da vida. O seu resultado é sempre uma simplificação da estrutura de estímulos ambientais.

São pelo menos três as fontes que alimentam esta construção: as regularidades naturais, as regularidades culturais/sociais e aquelas regularidades que se geram a partir da nossa própria influência.

Esta última fonte sugere, para cada momento da nossa vida, a preexistência de estruturas éticas já formadas que não só condicionam o nosso próprio comportamento como também o comportamento dos outros e da matéria que nos rodeia. Portanto, nós também somos responsáveis pela organização da nossa própria estrutura de estímulos ambientais. No conjunto das relações específicas que se estabelecem entre a dimensão cognitiva interna e a dimenão externa forma-se um nicho cognitivo para cada indivíduo. Ou seja, a construção da nossa estrutura moral e ética também é condicionada, recursivamente, por essa situação.

Este processo de ascensão de certas regularidades ao topo da hierarquia cognitiva demonstra a sua estreita relação com um contexto específico. A nossa moralidade é sempre o resultado de uma trajectória individual, que é única. Essas estruturas foram originadas para responder a situações muito concretas da vida de um indivíduo e de uma comunidade, a sua universalização e essencialização posterior é um fenómeno político e cognitivo que muitas vezes desvirtua a sua função social original.

Toda a moralidade é construída a partir de um nicho ecológico e é apenas adequada a esse nicho.



*Sobre o processo de compressão cognitivo ler o «Quark e o Jaguar», de Murray Gell-Mann

sábado, 1 de agosto de 2009

Alain de Botton: A kinder, gentler philosophy of success

Alain de Botton examines our ideas of success and failure -- and questions the assumptions underlying these two judgments. Is success always earned? Is failure? He makes an eloquent, witty case to move beyond snobbery to find true pleasure in our work.


domingo, 26 de julho de 2009

A confiança e a sua relação com a capacitação individual, social e económica

Premissa 1ª: o valor de cada conteúdo cognitivo resulta e é o resultado da confiança que lhe é atribuído;

Premissa 2ª: a mente está organizada de forma hierarquizada, de modo que a importância/confiança de cada conteúdo cognitivo é variável;

Premissa 3ª: o grau de confiança num conteúdo é determinante na variação da sua taxa de replicação;

Premissa 4ª: quanto mais fluxos internos gera um coletivo mais propenso fica para promover a criatividade e inovação.

Se estas premissas forem verdadeiras podemos afirmar que uma das prioridades de qualquer sociedade, colectivo ou relação deve ser gerar confiança entre os seus elementos. Não sei se estão correctas, foram aqui colocadas sem qualquer validação científica. Porém, não deixo de considerar que neste espaço faz todo o sentido falar dos assuntos que me interessam, encaro o blogue como um lugar para ensaiar alguns pensamentos. As premissas que aqui apresento são contudo o resultado das minhas observações empíricas quotidianas.

Insisto, se a confiança gera capacitação individual, social e económica porque confere maior capacidade de acção, de raciocínio, comunicação e criatividade e se estas premissas correspondem, mesmo que aproximadamente, à realidade da dinâmica social e cognitiva, então o nosso país deve tornar prioritário o debate sobre formas e implementação de políticas de Estado e de regulação cultural que incidam no aumento da confiança entre os portugueses.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

A importância das coisas

A nossa mente está estruturada de forma hierárquica. É óbvio, para qualquer ser humano algumas coisas são mais importantes do que outras.

Essa importância é comunmente atríbuida aos valores de cada indíviduo (ou dos valores partilhados pelos colectivos). Sem dúvida que os nossos valores, que se constituiem na nossa moralidade, ética, conjunto de interesses e competências, são responsáveis pela forma como se organiza hierarquicamente a nossa personalidade ou, por outras palavras, a nossa estrutura cognitiva. Mas não é a única.

A importância relativa que conferimos às coisas resulta da via interna, mas também é devida a causas externas. O nosso ambiente modula de forma determinante aquilo que consideramos importante, seja estrutural ou circunstancialmente. Embora, diga-se, pela reflexividade da nossa mente na sua relação com o meio esta separação seja extremamente fluída. Mas não deixa de ser relevante compreender que o que importa a cada individuo não é apenas uma questão de valores, mas também os assuntos com os quais se tem de confrontar com muita frequência.

É tão importante para a qualidade de vida de um cidadão ver o mundo evoluir de acordo com a sua moral ou com a sua ideologia, como a resolução de um problema muito concreto com o qual se debate no seu quotidiano. Para a qualidade de vida de um católico será tão importante constatar que se implementaram “boas” políticas de família como verificar que foi colocando um jardim onde anteriormente era um espaço abandonado; para alguém à esquerda a implementação de uma boa política social pode ser razão tão válida para se sentir melhor com o mundo tal como verificar que foi resolvido o problema de estacionamento na sua localidade. As políticas tal como as relações pessoais devem ter em conta que cada indivíduo valoriza certos aspectos por via da sua própria organização cognitiva, tal como valoriza outros aspectos porque os considera problemáticos e que, embora menos valorizados internamente, tem de lidar com eles com frequência no seu ambiente quotidiano.

Interiorizar esta visão é determinante para a forma como nos dispomos a avaliar o outro, seja no contexto individual seja num contexto de definição de uma prática política, porque nos permite compreendê-lo não só pelo que ele é mas também pela forma como o contexto o envolve e estimula. Para quem tem por objectivo criar espaços de conforto essa é uma questão absolutamente determinante.

domingo, 12 de julho de 2009

A epistemologia do mercado

Este artigo pretende discutir o mercado e a forma como os seus “amantes” o usam no seu argumentário político. Usando uma certa «Epistemologia do Mercado».

A epistemologia da ciência faz o mesmo para as ciência em geral: o positivismo surgiu como um movimento filosófico que via a ciência como uma comunidade neutra, objectiva, que tomava decisões independente do meio cultural que a envolvia. Os apologistas do mercado fazem o mesmo: interpretam as reacções do mercado como se fossem reacções independentes do seu contexto. Isto é, apresentam argumentos do tipo: o mercado evoluiu para aqui, portanto a sociedade deve reorganizar-se de forma a responder positivamente às aspirações do mercado para beneficiar o ambiente de negócios. Depois, associado a este tipo de lógica, são adicionados outro conjunto de afirmações como: são as empresas que criam emprego e/ou desenvolvimento, a política deve estar ao serviço das empresas, a política deve promover a sua competitividade.

Estes argumentos são muito fortes. São tão fortes que têm conseguido moldar a lógica das sociedades, convertendo-as, levando-as a aceitar tacitamente esta forma de pensar. A tal ponto, que muito do que se faz em política é ditado pela interpretação das reacções dos mercados.

Vejamos o exemplo concreto dos recibos verdes. Uma argumentação típica dos “amantes” do mercado é interpretar esta reacções do mercado, da expansão da contratação de serviços/trabalho por recibos verdes, como uma necessidade, emergente, de aumentar a flexibilidade do mercado de trabalho. Esta interpretação, tal como a resposta do próprio mercado, é adequada à filosofia do sistema, vamos chamá-lo aqui pelo rótulo genérico, de capitalista.

É bom que se entenda que não me refiro à procura do lucro com qualquer censura moral. Pessoalmente defendo a criação do máximo de empresas lucrativas possível. Iremos verificar que a minha posição não diaboliza o mercado, pretendo apenas reposicioná-lo e questionar esta epistemologia que defende que uma das principais prioridades do estado é apresentar políticas que respondam às necessidades explicitamente apresentadas pelas empresas, leia-se mercados.

O problema da argumentação capitalista que relaciona de forma determinista o aumento dos recibos verdes, da flexibilidade e da capacidade concorrencial das empresas que operam no mercado, é fazer desse mesmo mercado, dos seus comportamentos e reacções, o equivalente ao que a biologia faz quando observa a dinâmica dos ecossistemas naturais. Como se não existisse uma diferença entre leis naturais e leis económicas. Independentemente da discussão epistemológica da objectividade, o mercado é uma construção humana e os ecossistemas naturais não são. A dinâmica biológica é independente da vontade e escolhas dos seres humanos, a dinâmica do mercado não. O mercado é o resultado de decisõese espectativas dos seus operadores, cujas comportamentos depende das suas interpretações. O comportamento do mercado é fruto da criatividade humana e as suas decisões do seu livre-arbítrio.

Defender que a proliferação dos recibos verdes é uma resposta do mercado, porque este exige maior flexibilização não é uma leitura económica errada. Isso é de facto o que diz o mercado. O que está errado não é essa interpretação, é tentar passar a ideia de que, primeiro, essa evolução era a única escolha que tinha o mercado e, segundo, que essa deve ser a única fonte de justificação para as decisões e orientação dos agentes políticos.

A filosofia que se instalou em certos domínios é que o mercado tem reacções naturais. E por naturais querem dizer reações que são independentes do “desenho” social, das políticas estatais, das espectativas dos gestores, da sua visão sobre as prioridades da gestão, da própria capacidade e funcionamento do mercado. Quando alguém favorável ao sistema capitalista diz que o mercado “pede” maior flexibilidade não está só a dizer que, na dialéctica entre mercado e sociedade (política), esses são os desejos do mercado. Pelo contrário, sugere que esta é a trajetória natural da sociedade e que esta deve satisfazer o mercado em nome da sua própria sobrevivência e desenvolvimento.

Mas não é isto tudo um argumento político? É. Mas podemos continuar centrados apenas na análise económica. O mercado pede flexibilidade porque se rege pela maximização do lucro e pela maximização da eficiência produtiva. É a sua lógica, é o seu racional. É um objectivo aberto e transparente. E na óptica da empresa tem sido sempre um objectivo salutar.

Mas tal como se diz muitas vezes sobre o diálogo social, onde por vezes se fazem políticas sociais para resolver problemas emergentes sem ter em conta os custos a longo prazo, também as empresas, demasiadas vezes, procuram o lucro sem ter em conta aspectos mais importantes e decisivos no longo prazo. A proliferação dos recibos verdes é uma decisão do mercado, mas essa escolha não é fruto de um comportamento "natural" do mercado. Essa decisão é uma entre as várias possíveis que o mercado pode tomar. E só foi possível enveredar por esse caminho porque a política criou esse sistema de contratação.

O custo de oportunidade pode ser aqui determinante nas decisões das empresas. E a oportunidade aqui é uma tomada de decisão para ganhar vantagens de curto prazo. Que do ponto de vista da gestão é perfeitamente lícita. As empresas em função da sua própria racionalidade usaram aquilo que tinham disponível para facilitar a sua acção, porque os recibos verdes permitem aumentar os graus de liberdade dos gestores, dando melhores condições para operar no mercado competitivo.

Mas será que essa decisão, com vista à própria rentabilização a longo prazo do próprio negócio e do mercado, era a melhor via? Ou foi tomada porque era mais fácil, porque estava facilmente disponível?

Se o mercado faz escolhas em função da arquitectura de mercado, que é desenhada pelo políticos e inerente à própria cultura (onde se incluem trabalhadores, empresários e outros), não é possível defender que o mercado funciona como uma “mão invisível”. A mão está lá, a montante ou implicitamente, a desenhar o tal ambiente e a moldar as decisões dos gestores. Todas as decisões políticas mexem com o mercado, com mais ou menos impacto. Inevitavelmente. Apoios à ciência, tipos de cursos criados, conteúdos dos programas escolares, leis de qualquer tipo, apoios à exportação, etc. Todas elas alteram as condições de procura e oferta de ideias, trabalhadores, empresários, produtos, etc.

A proliferação dos recibos verdes associado a uma interpretação determinista do tipo “mais recibos verdes é um sinal da necessidade de maior flexibilidade do mercado de trabalho” fez do mercado o grande "alimentador" de políticas. Os empresários, nas suas plataformas associativas, ao acreditarem legitimamente nesse argumento estão mais centrados em fazer política e menos em criar valor para o empresariado. Criaram uma certa obsessão acreditando, ou deixando passar essa mensagem, que a vida das suas empresas e dos trabalhadores vai ser um oásis depois de alterada a legislação do trabalho. Ao invés de aumentar a produtividade pelo aumento da riqueza, vitalidade ou dimensão dos seus mercados estão preocupados com questões de curto prazo e que não dependem deles próprios nem da sua competência. Aqui o debate é político e não económico.

É também um argumento dissociativo porque provém do facto da própria medida de criação dos recibos verdes ser uma medida política reclamada pelo mercado, o que sugere que esta é já a sua disposição que moldará as suas decisões e comportamentos, depois reclamam que a sua expansão é uma consequência natural das suas necessidades. Naturais?...

A dinâmica pode ser tão dissociativa que os agentes do mercado podem acreditar profundamente que o seu principal problema está no mercado de trabalho, dirigindo todo o seu esforço para uma luta política específica e disponibilizando-se menos para a discussão sobre a sua qualidade de gestão. Se o ambiente e cultura facilitam essas opções - como a do recibo verde - esse caminho pode ser seguido apenas por ser o “mais fácil”. Fazendo com que as empresas descurem outras vertentes do negócio: as vendas, a inovação, a eficiência administrativa, o posicionamento no mercado, a formação, as parecerias, etc.

Esse comportamento demonstra como a política faz o mercado e vice-versa. Ambos têm de cooperar e noutras ocasiões discordar. Por vezes é errado fazer certas alterações porque essa não é a escolha da sociedade. Embora uma sociedade responsável deva ter em conta a importância da promoção do ambiente propício para os negócios.

Contudo, em certas ocasiões isso requer desenhar um sistema global que seja propício para os negócios mas que não altere esse aspecto específico da vida social, mesmo que essa seja a espectativa do mercado. Um empresariado que se diz refém da legislação do trabalho é um empresariado passivo, sem criatividade nem força. Os agentes políticos que não são capazes de defender a sociedade do mercado, encontrando contudo soluções que sejam promotoras do desenvolvimento económico e das empresas também deve ser visto como passivo, sem criatividade nem força.

Não há mercado sem cultura, a eficiência do mercado também depende da cultura que o envolve. Uma coisa são os méritos da economia de mercado quando compete com uma economia de outro tipo, outra coisa é discutir a sociedade pelos méritos do mercado quando esta compete com outras economias de mercado. Aqui não basta usar o mercado como única fonte legítima (ou quase exclusiva) das políticas públicas. É nesse plano que devemos estabelecer a nossa discussão. Uma empresa com produtos inovadores, apetecíveis, que faz boas vendas, aguenta salários altos, falta de flexibilidade, etc. Nessas ocasiões aguentam um certo grau de ineficiências de vária ordem. Empresas que estão no limbo, essas sim estão sempre a procurar ganhar eficiência através dos mecanismos legislativos, descentrados da sua própria área de negócio.

Mesmo que exista a necessidade de adequar as leis do trabalho, não estou qualificado para afirmar isso, desconfio que os ganhos de produtividade com essa medida sejam marginais. Os nossos desafios estão dentro e fora das empresas, não me parece que se deva dar tanta atenção às leis do trabalho. Acho que isso nos distrai: à sociedade, aos políticos e aos empresários.

Portanto, o mercado é feito por humanos para humanos. Não é ambiente natural. O seu desenhos faz-se de escolhas. Existe e deve existir liberdade política para desenhar o mercado tal como consideramos mais justo, eficaz e certo.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Nova Política: moral e relativismo

Em linhas gerais as quatro Reith Lectures de Michael Sandel foram baseadas na defesa da seguinte ideia: a política e a sociedade foram tomadas pela ideia de que tudo tem um preço. Ou, por outras palavras, que cada vez mais coisas podem ser enquadradas pelo ângulo da economia, nomeadamente economia de mercado.

Esta filosofia procurou retirar do âmbito do debate e da acção política os assuntos morais, conferindo-lhes o rótulo de “assuntos técnicos e/ou admnistrativos”. Essa conquista assentou numa crescente confiança nas ciências: por um lado, porque a sua criatividade na formulação de soluções sociais tem sido avassaladora, segundo, porque prevaleceu a noção de que estas baseavam as suas análises livres de valorizações. Fossem elas de âmbito político, social, moral ou cultural. Essa ideologia caiu. Já são poucos os que acreditam que a ciência é neutra.

Hoje é possível afirmar que as ciências são em si mesmas domínios de âmbito cultural, com éticas próprias, inserida no diálogo social, logo impregnadas pelas visões política dos seus meios envolventes. Ora, tendo tido a ciência um papel fundamental na construção da sociedade contemporânea, quando se altera a nossa visão sobre as suas faculdades obviamente que isso também exige alteração no seu posicionamento como actor da política.

A ciência não é omnisciente nem neutra, exige-se por isso uma maior participação de outros actores e uma prevalência cada vez maior de outras formas de estabelecer a governação das sociedades. As democracias terão de evoluir para uma maior participação e isso faz-se dando maior capacidade para as populações influenciarem os seus destinos.

Como defende M. Sandel os debates políticos têm de incluir e traduzir com maior frequência os assuntos da moral, incluindo na conversação social argumentos mais subjectivos. Mas isso cria novos desafios. Cada força social e política procurará influenciar o decurso da trajectória social, e as relações sociais e políticas tenderão a ficar mais tensas - porque aumentará o espaço para a negociação.

É em função desta situação que uma nova ética terá de florescer. Algo que regule as relações sociais e que se posicione entre as visões absolutistas e o vale tudo. E assim afirmo que o relativismo se torna num imperativo cultural.

A filosofia relativista pode ser mal interpretada e pode ter várias formulações. Mas eu aqui defendo aquela que é uma forma de relativismo com força moral. Ou seja, não encaro o relativismo como a defesa da anarquia ou do niilismo. Nem da indiferença. Defendo, isso sim, que o relativismo é uma filosofia moral, que se oferece como uma alternativa aos absolutismos e paroquialismos, porque é uma filosofia que valoriza à vida, as pessoas e os seus aspectos quotidianos. Que, simultaneamente, permite conciliar posições morais, construtoras de identidades, com a valorização do outro. Relativismo é uma ética relacional, que se opôe às éticas essencialistas (absolutistas e paroquialistas).

Ser este tipo de relativista é viver sempre com um certo grau de cepticismo; é valorizar a inteligência e conhecimento do próprios e do outro; é considerar fundamental aprender e mudar; é considerar a coerência como um meio e não um fim. É acima de tudo viver quotidianamente com a ideia de que a nossa própria identidade pode e deve ser posta em causa permanentemente. Só assim se pode viver num meio civilizado onde o subjectivo tem força de argumentação.

Caso contrário...

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Última palestra de Michael Sandel (Reith Lectures)

Reith Lectures 2009: A New Politics of the Common Good (lecture 4)

A New Politics of the Common Good


Ver aqui outras Reith Lectures.

sábado, 4 de julho de 2009

A integridade e a resiliência social

Tenho usado muito o termo integridade, é importante esclarecer qual o significado que lhe dou.

E começo pelo que não é. Quando defendo que todos temos o dever de proteger a nossa integridade individual e a de qualquer outro cidadão, não estou a defender a conservação das identidades num determinado estado estático. Isso nem sequer é possível, por mais que já tenha sido tentado.

Parto para esta análise através do seguinte pressuposto banal: todos os indivíduos são diferentes. E defendo que essa diferença identitária provém (é causa e consequência) da existência de um núcleo cognitivo cuja composição é diferente de qualquer outra, mesmo que seja ligeiramente. No conjunto da personalidade e na suas relações internas essa situação faz cada indivíduo pensar e se comportar de forma diferente dos demais. Isto é, a suas lógicas são sempre diferentes. Ora, isso permite a cada um contribuir com uma visão do mundo, com propostas para cada assunto concreto, que mais ninguém poderia oferecer.

O significado desse núcleo é colocar cada pessoa dentro do seu próprio nicho ecológico. O que noutras palavras pode ser assumido como o seu contexto. E o posicionamento em cada nicho assegura uma valorização diferenciada de certos assuntos (objectos), uma elevada capacidade para acompanhar a trajectória desses assuntos, uma certa capacidade para os ligar aos contextos mais abrangentes, etc.

Como vivemos num mundo altamente complexo essa diferenciação permite aumentar a densidade e abragência sensorial e intelectual na relação com um determinado espaço da realidade, isso é fundamental. Mas a complexidade do ambiente também se caracteriza pela sua diversidade. E para lidar com essa diversidade é também fundamental potenciar essa densidade individual através da sua disponibilização para o todo, permitindo alargar essa base sensorial e capacidade intelectual. A articulação entre a dimensão individual, densamente especializada, e a dimensão social, significa uma maior capacidade para gerar fluxos. Que é hoje uma necessidade, para conseguir desenvolver as sociedades e os seus indivíduos nessa interdependência que lhe é característica.

Cada indivíduo isoladamente é incapaz de apanhar e processar todos os estímulos que o rodeiam, por isso depende da conversação para incorporar as leituras dos outros já sintetisadas. Desta forma aumenta a sua abrangência individual sem com isso aumentar o esforço intelectual dirigido a um assunto para o qual não estava preparado.

É nesse contexto que é necesário manter todos em actividade. Porque é desta forma que é possível dar ao contexto uma maior capacidade, abrangência e intensidade, para assimilar e processar todos os estímulos que hoje constituem o ambiente que nos envolvem quotidianamente. No qual se incluem a multiplicidade de espectativas, as nossas próprias e as espectativcas dos outros.

Aquilo que deve ser protegido na forma como lidamos com cada ser humano é a sua prontidão funcional. Todos temos um grau de resiliência. Aprender a lidar com isso é aprender a lidar com o outro porque exige conhecer o outro, naquilo que ele é. Procurando ajudá-lo a lidar com os desiquilibrios do seu desenvolvimento e com os seus ciclos de restruturação.

Portanto defendo que cada vez mais temos o dever de proteger os outros, acompanhá-los nas suas trajectórias próprias procurando manter o seu limiar de funcionalidade. Significa isso, suportar a sua capacidade produtiva ao nível económico, promover a sua capacidade de participar na conversação social, aumentar com isso os fluxos sociais e, com isso, a coesão interna da sociedade, e manter activo o potencial criativo de cada um, que só pode ser conseguido quando a pessoa é capaz de convocar a sua identidade para apresentar propostas que conciliam observação da realidade e processamento conforme os seus valores.

Como a capacidade de cada um depende da capacidade individual e da capacidade oferecida pelo seu contexto, quando protegemos o outro estamos também a proteger os nosso próprios interesses. Daí a importância de encarar o espaço público como um lugar de negociação e de construção intersubjectiva.

É essa conjugação entre a identidade e o ponto de resiliência que consisdero ser a integridade que deve ser protegida.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Bases para um humanismo contemporâneo - III

Para muitos esta crise é a demonstração do efeito nefasto da ausência de ideologias. Será? É uma leitura possível.

Contudo considero que o humanismo pouco deve às ideologias do passado: fossem religiosas, políticas, económicas ou científicas. Porquê? Porque as ideologias são estruturas cognitivas que para se manterem activas exigem muita estabilidade. Sendo elas uma base lógica do pensamento e comportamentos dos seus proponentes qualquer estímulo que perturbe a sua estrutura não é bem recebida.

As ideologias criam um verdadeiro amor a si próprias. Quem adere a uma ideologia não se relaciona com os outros através daquilo que eles são, nem sequer tem essa preocupação, o seu objectivo é encaixar o outro na trajectória cognitiva adequada aos príncipios da estrutura ideológica, tanto ao nível do seu pensamento como do comportamento.

A ideologia não tem respeito pela integridade do outro. E por isso considero que qualquer excesso de ideologia será um passo atrás na humanização das relações e do espaço social.

O fim das grandes ideologias deu-se para dar lugar a esta sociedade mais dinâmica, diversa e complexa. Não aconteceu porque o ser humano simplesmente escolheu acabar com elas, elas são incompatíveis com esta sociedade. Nós vivemos numa sociedade que vive numa grande tensão entre a alta instabilidade gerada por um ambiente multiestimulador e os grandes núcleos de elevada regularidade e estabilidade. Mas é toda essa estimulação que faz desses núcleos espaços de reconstrução permanente. E isso seria incompatível com uma estrutura que se sustenta em si própria, que orienta todos os raciocínios dentro da sua própria lógica. Que convive mal com a perturbação.

No nosso mundo, liberal, das sociedades abertas, a ideologia tende a ser substituida por pequenos conjuntos de princípios, mais posicionados na aprendizagem e reconstrução permanente do que na orientação de uma forma definitiva de ser. A coesão social, que não é mais do que o grau de interesse que manifestamos para ouvir e colaborar com aqueles que constituem a nossa envolvente, passa a ser sustentada na capacidade de gerar resultados. Quando as ideologias foram substituidas por pequenos núcleos de princípios orientadores a sociedade adquiriu uma capacidade se crescer em complexidade que é ela mesmo a referência de avaliação do estado do sistema. Se crescemos estamos bem, não crescemos estamos mal.

Se estamos bem e avaliamos a nossa trajectória recente como sendo positiva geramos confiança, libertamos a criatividade, geramos mais nichos mas com elevados índices de coesão, se os resultados são vistos como negativos a tendência é aumentarem as probabilidade para criar um ciclo de destruturação e homogeneização.

Esse é o novo espaço da ética humanista: aprender a conviver com a perturbação. Ser resiliente quanto baste, o suficiente para manter sempre uma base ética de exploração da nossa intimidade e integridade, mas sem ser demais para estarmos abertos aos outros e à negociação no espaço público. Ou seja, ser diferente q.b.

Cada um pode e ocupa um nicho ecológico próprio. E essa é a sua mais valia quando o ambiente é complexo.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Bases para um humanismo contemporâneo - II

Quando falo em humanismo quero dizer algo tão genérico como o seguinte: colocar o(s) outro(s) como um factor relevante nas minhas ponderações quotidianas. Sendo que outro significa aqui a sua integridade. Portanto, resumidamente, procuro fazer um esforço para ponderar o outro naquilo que ele é e deseja.

Depois há limites: os da minha integridade. Algures existe um espaço não definível, mas vivenciável, onde dois ou mais individuos são capazes de se sintonizar.

Mas tudo isto é demasiado abrangente e acaba por não servir para nada se não for enquadrado em algo mais denso. É isso que eu tento fazer nestes textos.

Mas tem servido, pelo menos para suportar uma ideia onde assenta a minha ética: o espaço público é o lugar de negociação, cuja finalidade é, a partir da conversação social, encontrar espaços onde se encontram marcas de expressividade de todo e qualquer individuo.

Mas essas marcas de expressividade só servem a sociedade quando vão para dentro do espaço de fluxos e passam a ser reproduzidas. Quando circulam no seio do diálogo social e lhes é dada oportunidade de servir e participar na construção social.

Nesta visão a dinâmica de poder não pressupôe a imposição de ideias e pontos de vista ao ponto de suprimir as alternativas do espaço público de circulação. Pelo contrário, aqui o poder está na capacidade para retirar dividendos dos conteúdos que circulam. O que pressupõe considerar que o outro é sempre uma fonte de conhecimento de valor.

Isso exige muito a cada cidadão. Somos todos guardiões dessa dinâmica. É dever de cada um preservar, na sua actividade quotidiada, em cada um das suas ponderações, a capacidade para permitir que a todos, com quem conversa e partilha espaço, seja dada a oportunidade de se expressar.

Num ambiente complexo a participação de todos não é apenas uma boa acção de uns quantos, é uma necessidade. É um bem de autopreservação porque é o meio para preservar e desenvolver a sociedade onde estamos inseridos.

«Quem sabe colaborar?»

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Bases para um humanismo contemporâneo

Para muitos esta crise é a demonstração da necessidade de mudar. Mudar o sistema económico, social e político. Alguns andam mesmo entusiasmados com o facto de "isto" estar a mudar. Contudo talvez seja ainda permaturo falar em mudança efectiva. Chegará lá, mas ainda demora. Faltam mais algumas sacudidelas.

Mas é fundamental compreender que só será possível mudar quando se oferece uma alternativa. Que ainda não existe. Talvez alguns esboços. Mas nada ainda de substancial.

Hoje valorizar o ser humano - o outro - é o grande desafio.

A sociedade da complexidade trouxe consigo um ambiente quotidiano muito diverso: onde se convive diariamente com o normal e o estranho, o conhecido e o incompreensível, o hábito e o imprevisto. O que é novo talvez seja a quantidade de vezes em que nos deparamos com todos esse aspectos que fogem à nossa intelegibilidade imediata e intuitiva.

Sem dúvida que o ser humano tem ferramentas cognitivas preparadas para lidar com tudo isso. Mas para além da manutenção daquilo que é hoje conhecido, vivido e usado, que por si só, e em função da complexidade já atingida, exije grande capacidade e esforço multidisciplinar, o que é novo exige um esforço suplementar. A ser verdade que a grande alteração está na quantidade de vezes que somos atingidos pelo imediatamente cognoscível e pelo incognoscível, então este ambiente exige maior capacidade de investimento, mais e melhor esforço.

Será determinante encontrar uma visão que esteja de acordo com as características da sociedade complexa, ou seja, inovação, diversidade, circulação e complexificação crescente. Isso solicita a aprendizagem como um aspecto central da nova ética individual.

Mas será suficiente? Não. As soluções de hoje exigem diferentes abordagens e conhecimentos complementares. Já não é possível lidar com o ambiente de forma isolada, individual, sem incorrer no erro de simplificar ao ponto de empobrecer a visão desse mesmo ambiente. Perdendo com isso capacidade para lidar com as próprias solicitações que advém do aumento da complexidade que construímos.

É necessária uma cooperação mais intensa e dinâmica.

A cooperação deve ser dinâmica porque o ambiente é dinâmico. A ética da aprendizagem individual é em parte uma resposta, mas tsmbém um efeito na criação desse ambiente complexo, diverso, dinâmico e instável.

Portanto, cooperar também entra no domínio dos desafios da sociedade complexa. Cada indivíduo, numa sociedade tão diversa como a nossa, é em si mesmo parcialmente incompreensível e estranho aos olhos dos outros. Desta forma também aqui a aprendizagem e tolerância se tornam em ferramentas fundamentais para lidar com o meio.

Não há cooperação sem tolerância ao estranho, mas também não há forma de cooperar sem reduzir o grau de estranheza que qualquer outro possa provoca em nós. Temos de nos familiarizar com cada um que é outro, mas não devemos reduzi-lo às nossas imagens do certo e errado, sob pena de diminuir o seu potencial contributo no âmbito da colaboração. Só assim o outro tornar-se-á numa extensão de nós próprios: vendo o que nós não conseguimos, tendo soluções que nós não temos, criando comnosco...

Valorizar o outro é crucial num ambiente onde a colaboração é uma necessidade. Mas isso só se faz quando aprendemos o que é o outro sem excessos de espectativas.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Mais palestras de Michael Sandel

Reith Lectures 2009: Morality in Politics (lecture 2)

http://www.bbc.co.uk/iplayer/console/b00l0y01



Reith Lectures 2009: : Genetics and Morals (lecture 3)

http://www.bbc.co.uk/iplayer/console/b00l59hf

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Quem sabe colaborar?

Por aqui na nossa terra é muito comum ouvir críticas à inexistência de espírito de colaboração. Dizemos nós de nós mesmos que somos incapazes de trabalhar em equipa.

Na abordagem usual, vivida, quotidiana, essas críticas surgem como um sintoma de irreconciliação entre o cidadão e as suas espectativas. Mas de facto "Roma não se fez num dia". Estamos a aprender.

Digo eu que essa intolerância é por si só um bom indicador, uma vez que representam em si mesmo uma revalorização do acto de colaborar. E também demonstram que existem forças internas que reagem e estabelecem limites. Logo, para mim são altamente encorajadoras. Mas é necessário convertê-las em trabalho de transformação e construção.

É verdade que este sentimento gera enormes frustrações. A consciencialização dos próprios erros e insuficiências é a fase mais crítica de qualquer processo de mudança. Porque gera perguntas mas não dá respostas; porque gera vontade que não é acompanhada de capacidade efectiva; porque se apresenta como óbvia ao indivíduo, mas nada diz sobre a forma como vai ser abordada pelo colectivo. E, de repente, o tempo urge. E a urgência aumenta a intolerância. E a intolerância crónica gera isolamento. E o isolamento cria um maior desfasamento entre o indivíduo e a sua realização. E assim se desenvolve um padrão comportamental negativo.

Mas estamos aqui e somos o que somos. A recriminação pode servir de bolsa de ar, por um breve período. As críticas podem confirmar as nossas altas espectativas de que o desenrolar dos acontecimentos será negativo. Dando uma sensação de satisfação que em parte é altamente perversa: a confirmação é uma forma de recompensa intelectual que tende a reforçar as nossas ideias, e, portanto, tende a fechar o nosso mundo num mundo de hábitos de pensamentos.

São esse hábitos que estão e têm de ser postos em causa.

Alguns estudos indicam que as exigências relativas à colaboração estão a aumentar: são cada vez mais complexas porque exigem mais colaboradores, maior diversidade de competências e personalidades, maior capacidade de afirmação individual, maior capacidade de ajustamento de todos e exige que todos os membros se mantenham actualizados, exige grande capacidade de síntese e velocidade de decisão, exige aprendizagem colectiva, exige grande capacidade de gestão de recursos humanos, logísticos e materiais em simultâneo, etc.

Ora, se a realização dos desejos individuais depende da capacidade de realização do colectivo, esta tendência sugere que as necessidades e a necessidade de implementar colaborações é cada vez maior. A valorização da colaboração é um primeira etapa para responder a esse desafio. Falta agora aprender a colaborar. Não basta o desejo. Não basta a exigência. Não basta a intenção.

Mais: parece-me que no que toca à colaboração, neste ambiente de complexidade, os portugueses estão a dar os primeiros passos. Porque não acompanhámos convenientemente a evolução social do mundo no periodo anterior ao 25 de Abril. E aquilo que deveria ser feito por estágios, maturado, internalizado, tem de ser feito num ápice.

E isso deverá gerar maiores assismetrias, disconexões, incompreensões,... Até que se compreenda efectivamente como lidar com essa dificuldade.

Ao vivermos numa forma de vida profundamente desajustada às necessidade de um mundo complexo criámos esse conflito entre o desejo individual e a capacidade efectiva de concretização da sociedade no seu todo. Esse desajustamento é assinalado quotidianamente pelo alta intensidade das respostas emocionais. Nós estamos dentro dum padrão de hábitos que é conservado pela intensificação das respostas emocionais. Não convertemos a irritação, frustração, etc, em trabalho de promoção da coesão social. Optamos por reagir emocionalmente de forma mais ou menos íntima: oscilando entre o silêncio e a explosão. E assim não somos capazes de reverter essa insatisfação em trabalho qualificante e em tempo útil. Ou assim parece para alguns.

Sabe-se hoje que bastam pequenas mudanças nos hábitos mentais e comportamentais para que subitamente se crie um movimento cognitivo e social tão alargado e profundo que permite alterar toda a perspectiva da envolvente de um conjunto crescente de pessoas. Do que vejo estamos a entrar num limiar desse tipo. Cá estarei para me regozijar por viver num período tão fértil e entusiasmante.

(Texto rearranjado a partir de outro publicado no blog Bisturi a 31 de Março de 2009)

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Moral e Mercado

Por Michael Sandel

Para o professor de Harvard a sociedade ocidental evolui de uma economia de mercado para uma sociedade de mercado. Onde tudo tem um preço.

Este professor contesta a bondade desta forma de organização social e política. Considera que isso leva muitas vezes à degradação da moral e com isso do sujeito moral. Em algumas circunstâncias isso reduz a própria condição - valor - do ser humano.

A solução que nos apresenta é limitar o mercado e permitir que várias situações do quotidiano da nossa sociedade sejam conduzidas apenas pela moral. Isso implica revalorizar a conversação social e a escolha democrática.

http://www.open2.net/reith2009/index.html

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Bom senso, senso comum e paixões

Bom senso é uma característica de personalidade que influencia a forma como abordamos as questões que surgem no nosso quotidiano, senso comum é um tipo de conhecimento alicercado no que é óbvio na sabedoria colectiva. Muitas vezes são noções que andam irmanadas, em tantas outras é bom que não estejam.

Considerar que é de bom senso estar sempre de acordo com o senso comum é o mesmo que dizer que é bom estar sempre de acordo com as maiorias. Um espírito desses deve ser mandado e jamais deve chegar a lugares de chefia. Nomeadamente, no contexto cultural em que vivemos, no qual o risco, a inovação e a aprendizagem são factores fundamentais na gestão seja do que for: empresas, associações, fundações, famílias, religiões, amigos, escolas, etc. Portanto, nos nossos dias ter bom senso deve ser independente do conhecimento do senso comum. Mais: o bom senso é capaz de compreender o senso comum, e aproximar-se dele quando fizer sentido, num dado momento e para um contexto específico. Mas quem assenta demasiado as suas escolhas diárias no senso comum dificilmente terá a liberdade para ponderar novos aspectos, para incluir novas e melhores ideias na sua acção, nomeadamente sempre que for confrontado com a necessidade de improvisar. E a capacidade de improvisação é cada vez mais solicitada pela nossa cultura.

Só uma visão empobrecida de liberdade é que priveligia a associação entre o bom senso e o objectivo de viver de acordo com o senso comum. As culturas fundamentadas nessa visão serão sempre conservadoras e dificilmente evoluem com a sua envolvente.

O bom senso também não deve ser encarado como um adversário da paixão. Pelo contrário, as emoções orientam as nossas escolhas e podem ser verdadeiros impulsionadores da racionalidade. As paixões dão-nos uma orientação duradora e impede-nos de viver ziguezaguiantes perante um ambiente complexo, diverso, cheio de oportunidades interessantes. Permitem-nos ver o futuro, assente em ideias, projectos ou visões. Por outro lado, como nos explica Reymond Boudon, o bom senso é a capacidade de em cada momento suportar uma ideia num "...sistema de razões suficientemente convincente para se impor e mais convincente que os sistemas de razões propostos pela defesa de asserções divergentes. (em O Relativismo)". É no decorrer dessas trajectórias, envolventes, que iremos alimentar o nosso conhecimento: lá se expressará o senso comum e muitos outros aspectos. Será em cada uma dessas experiências, profundas, que ganharemos densidade e dimensão. A paixão dá-nos capacidade de investir, exige-nos isso.

E por isso defendo que devemos encontrar várias paixões ao mesmo tempo - que se traduzirão numa ligação forte a várias razões, sobre as quais poderaremos o nosso quotidiano. Dessa forma preservamos o bom senso e mantemo-nos ligados simultaneamente a várias coisas que a vida nos oferece.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Globalização e sistema sócio-económico

Vivemos num tempo em que a ideia da existência de um mundo globalizado se tornou óbvia e notória. Mas isso não quer dizer que o significado da noção de globalização seja perceptível - considero que é ainda uma noção intuitiva, mas pouco compreendida.

Miuos consideram mesmo que a globalização é um projecto perigoso porque está estritamente ligada a um modelo sócio-económico, um modelo liberal e de economia de mercado. Neste contexto, há quem tenha a percepção de que, de alguma forma, existe sobreposição entre a dinâmica colectiva que aproxima culturas e as torna globalmente conectadas e os projectos político e/ou económicos específicos, baseado na pluralidade, na escolha individual, no mercado, etc.

Será assim? Isto é, existe uma ligação umbilical entre um qualquer programa político e o movimento de globalização? Ou entre a economia de mercado e a aproximação dos povos? Ou a globalização é um processo autónomo, excêntrico a qualquer plano político e civilizacional?

Esta dúvida pressupõe tacitamente a hipótese de que a globalização é um processo espontâneo, independente do conteúdo armazenados pelos humanos e do tipo de relações que estabelecem a partir desses conteúdos. Portanto, a globalização, nesta hipótese, é um movimento bio-social independente de qualquer estado lógico do sistema. Independente de qualquer cultura diferenciada.

Se assim for no debate político é errado fazer a sobreposição entre a globalização e um qualquer projecto social e político específico.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Antes de sermos da nossa cultura somos seres humanos.

Numa era globalizada não pode ser a tecnologia o único meio a fomentar a integração dos povos e das suas culturas. É imperativo que as formas de relacionamentos entre pessoas também evoluam. O planeta está a ficar mais apertado, os contactos entre povos com culturas diferentes é cada vez mais frequente e a forma de relacionamento com o outro terá de evoluir para dar resposta aos desafios colocados por esses desenvolvimentos.

O aumento da pressão social colocada pelo acréscimo dos confrontos entre diferentes impôe uma questão: como é que uma estrutura ética pode conciliar a manutenção das identidades com a promoção da conversação inter-cultural? No futuro próximo este é um dos grandes desafios da humanidade. Caso contrário continuaremos a ser regidos por estruturas éticas que incidem nos aspectos que dividem a humanidade, fomentando o conflito e interrompendo com frequência a conversação social e a aprendizagem.

O ser humano sempre se viu a si próprio como uma entidade especial no seio da natureza e do universo. As razões apontadas são várias: porque se relaciona de forma especial com o(s) criador (es) do universo, porque é o expoente máximo da evolução, porque é consciente dos seus actos, porque é um ser racional, porque é capaz de ter compaixão, de transformar a sua envolvente em proveito próprio, porque faz cultura ou porque desenvolveu uma linguagem extremamente complexa. Diferentes pessoas em diferentes épocas deram ênfase a estes e outros aspectos com o intuito de definir o ser humano.

Nada me leva a rejeitar qualquer um desses argumentos, mas rejeito qualquer leitura transcendental do seu conteúdo. O que é universal na humanidade é a nossa dimensão natural, enquanto seres evoluidos de uma linha filogenética comum. Tudo mais é imanente dessa condição. A nossa cultura é um prolongamento da nossa identidade biológica. Um prolongamento extraordinário, que nos distingue a todos no seio do universo, mas que em nada distingue o nosso valor enquanto seres humanos, pelo contrário, para estarmos aptos para acreditar em algo temos de nascer integralmente humanos. Nenhum ser humano é mais especial que qualquer outro porque nasceu e foi criado numa qualquer envolvência cultural específica. Rejeito qualquer leitura purificadora associada à cultura, seja ela qual for. Antes de sermos da nossa cultura somos seres humanos. Esse é o maior valor, e é a humanidade que nos cabe proteger.

A diversidade cultural faz parte do património da humanidade. Constitui-se como um fundo, reservatório de todo o conhecimento e valores da humanidade. E como a criatividade é subsidiária da diferença, cada ser por ser único é, em potência, mais uma fonte da criatividade humana. Em cada um reside parte das soluções para parte dos problemas da humanidade.

Por todos estes motivos a ética do futuro deve alicercar-se nos valores da identidade humana e da promoção da conversação e aprendizagem cultural: deve servir para proteger a diversidade cultural, deve saber promover o acesso ao reservatório de valores e conhecimentos da humanidade a qualquer cidadão do mundo, e deve contribuir para preservar o ser humano nas suas características fundamentais e promover o seu enriquecimento.

terça-feira, 31 de março de 2009

Innovating at every level



Esta conversa encerra toda uma estrutura ética que emerge no mundo empresarial e que se espalhará pela sociedade em geral. Inovação a todos os níveis requer uma capacidade global do indivíduo, de todos os indivíduos numa organização, para aprender sobre todos os aspectos da organização; relações sociais, gestão, produto, marketing, organização, etc. Isso é o que exige uma sociedade complexa, dinâmica. É isso que se exigirá para todos os membros de uma sociedade, seja quando gerem uma empresa, um departamento, uma sala de aula, o estado, uma associação, relações entre amigos, etc.

Cada vez mais os indivíduos têm de estar preparados para a mudança constante, e conviver com todos os seus aspectos, todas as suas implicações.

Uma dessas impicações é a forma como encaramos os valores, como encaramos a nossa própria identidade. Os valores servem como factor de coesão, como factores de identidade, como agentes de previsibilidade, mas, numa sociedade em mudança, também nós temos de mudar, obrigando-nos a encarar todos esses factores como efémeros, circustanciais. São as melhores hipóteses que servem um determinado tempo numa determinada conjuntura.

Para inovar a todos os níveis é preciso aceitar que a nossa identidade não pressupôe uma estrutura imutável de valores, requer aprendizagem e transformação constante da identidade. A nossa identidade é a nossa memória e a capacidade de nos identificarmos como um mesmo ser. E isso surge no espaço de trabalho que é a consciência.

A consciência é cada vez mais importante, em deterimento da identidade histórica. E a consciência é um processo onde ocorrem dinâmicas de integração/desintegração constantes.

terça-feira, 17 de março de 2009

A informação e a necessidade de sintonia nos vivos

Um dos aspectos usualmente realçados e que distingue as dinâmicas dos sistemas vivos dos restantes sistemas físicos é o facto das primeiras serem organizadas também por informação, quandos as outras se organizam apenas por princípios físicos simples.

É evidente que os sistemas vivos também dependem das processo físicos e da sua interacção com os processos mais complexos da infodinâmica. Mas existe um aspecto crucial que as distingue informação da energia e que torna diferentes os princípios que regem a dinâmica do vivo. A diferença encontra-se ao nível da produção de fluxos. Enquanto a energia passa de qualquer corpo para outro corpo (Para compreender melhor esta dinâmica ler sobre as leis da termodinâmica), com a informação essa ubiquidade não se verifica. A informação é contexto-dependente. As relações entre vivos, no âmbito da transferência de informação, é eficaz quando se atinge um certo grau de sintonizaçao entre emissor e receptor. Isto é verdade para o diálogo entre neurónios, entre animais e entre pessoas.

Interessa, portanto, compreender as razões para essa propriedade. A explicação depende da compreensão de certos aspectos acerca da informação. Podemos começar por afirmar que é uma propriedade da matéria mais complexa que a energia. A informação é matéria organizada. Para ser organizada significa, em primeiro lugar, que o movimento de um conjunto de matéria simples se inercializou, em seguida, é necessário que dessa conjugação se forme uma superfície com uma conformação específica funcional. É esse o sentido da organização. Essa superfície permite a esses conjuntos de matéria estabelecer contacto com outros conjuntos de matéria.

Por exemplo, na sua base material a informação funciona pela sistema de chave-fechadura, tal como sugere o modelo de dinâmica enzimática de Jacob e Monod (ver livros de biologia ou bioquímica nos capítulos de dinâmica enzimática). As enzimas, os agentes do sistema imunitário, ou neurotransmissores, são moléculas que, no seu meio "natural", assumem uma configuração específica numa das suas superfícies. Essa superfície confere-lhes a capacidade de encaixar noutras configurações, o seu molde.

Essa existência é em si mesmo o resultado de um processo de sintonização. Este molde surge por co-evolução nos sistemas vivos. Quando pensamos na comunicação humana pensamos em algo especial, devido à sua base simbólica. Assumimos com orgulho que esse foi um passo à frente na complexidade. Mas o processo é semelhante à de base enzimática, mas em tudo mais complexo. Também aqui cada símbolo tem uma configuração específica que é compreendida pelo emissor e pelo receptor. Quando um emissor produz um estímulo-símbolo, o receptor (caso tenha co-evoluido dentro da mesmo meio (cultural) do emissor estará, com uma enorme probabilidade, organizado mentalmente de forma equivalente) assinala esse estímulo, estímula o seu sistema nervoso e inicia um processo de comunicação interna que acabará por dar densidade e sentido a esse estímulo. Ou seja, o estímulo provoca um Trabalho Algorítmico Configuracional (TAC). Também aqui existe uma estrutura com uma composição específica, que resulta nessa especificidade pela interacção com o meio específico, que permite uma co-estimulação entre o emissor (chave) e o receptor (fechadura). No que podemos denominar por Complexo de Emissão-Recepção (CER).

Tudo isto é resultado de um processo de expressão e correcção múltipla e sucessiva no âmbito social e natural. Em função das inúmeras correcções efectuadas através da comunicação, entre membros de um espaço de relações preferenciais, surge a linguagem comum, os valores comuns, a simbolização comum. Existe qualquer coisa de espantoso na criação do símbolo, na sua utilização, mas o seu desligamento ao mundo dos processo naturais tem sido exagerado. A relação entre a simbolização e a sua base material é muito mais estreita do que parece. (Uma pista para reflectir sobre este assunto: pense na comunicação como uma articulação entre o pensamento e os músculos da cara, língua, dos braços que permitem expôr sons e gestos com uma forma (composição e sucessão) específica. Mas isso fica para outras paragens.

Esta é a razão da necessidade de sintonização: porque a informação não se transfere de forma úbiqua como a energia, na qual basta o contacto entre quaisquer dois corpos. A informação é criada quando se torna possível reproduzir a configuração e com isso transferir em fluxos a acção da própria inercialidade configuracional.

sábado, 14 de março de 2009

Valores e power-law

Novos estudos sobre o mundo vivo trouxeram novidades ao nível da caracterização das relações que se estabelecem internamente, sabe-se hoje que existem algumas características regulares. Essas dinâmicas foram denominadas por "Power-Laws". Basicamente estas leis sugerem que a existência do mundo vivo se deve à criação de dinâmicas produtoras de assimetria. Foram associadas ao termo poder porque é disso que se trata: existe vida porque existe poder e este está distribuido de forma profundamente assimétrica.

De alguma forma o sistema produz "trabalho" (no sentido termodinâmico) porque é criado um potencial interno, é essa diferença que induz a produção e a manutenção dos fluxos internos. Os fluxos que, quando regularizados, criam os ciclos dos sistemas biológicos - ou seja, a vida.

Para compreender a lógica que está por trás destas "leis do poder" vejamos o seguinte video:



Como é que se relacionam estas ideias com a discussão sobre a dinâmica mental e o papel dos valores? Porque o funcionamento da mente rege-se pelas power-laws. Vimos em posts anteriores que a sua topologia está organizada por diferenças de distribuição dos conteúdos mentais. Sendo que os valores são os mais frequentes: mais redundantes, mais reproduzidos e mais intensos. São portanto os conteúdos lógicos que mais contribuem para o funcionamento dos raciocínios. Por isso, a contribuição também é assimétrica. Tal como determina uma power-law, uma pequena quantidade de conteúdos é responsável por uma grande parte da lógica do sistema: da sua estrutura e dinâmica.

É por esta a razão que se demominou por estado inercial do sistema cognitivo. Mas tal como sugere o autor da palestra, de forma nenhuma se pode afirmar que as marginalidades não são determinantes. Uma pequena contribuição pode ser fundamental para resolver lógica ou comportamentalmente uma qualquer grande questão. E isso numa sociedade complexa está sempre a ser solicitado. A marginalidade é importante como factor de inovação e evolução. Pois, permite romper com o conservadorismo institucionalizado.

terça-feira, 10 de março de 2009

Inércia cognitiva - relação pensamento-emoções

Este estado inercial é resiliente. Embora esteja sempre a evoluir, fruto da nossa capacidade de armazenar e escolher, existe uma certa regularidade. Não fora isso não fazia sentido aplicar o termo inercial. Essa é uma das funções das emoções: assinalar a intensidade do conflito e com isso dar a medida da resiliência de cada estado do sistema. Para explicar isto tenho de explicar primeiro como é que vejo o funcionamento das emoções na sua relação com a lógica e o comportamento.

A lógica desse funcionamento funda-se na seguinte correlação: estruturas lógicas mais redundantes induzem respostas emocionais mais intensas. Daí os conflitos que ameaçam a integridade da estrutura dos nossos valores se tornarem rapidamente em discussões bastante inflamadas. Os valores são, por isso, a região mental com capacidade de induzir respostas comportamentais mais fortes, porque geram sentimentos mais intensos.

Usando uma metáfora poder-se-á dizer que a mente está organizada com uma distribuição assimétrica de conteúdos, essa variação é a quantidade de carga energética armazenada, que varia de região para região. Os valores são os domínios com maior carga energética. Os sentimentos são a resposta interna, do corpo, que nos dá a percepção da medida dessa carga. Quando o sentimento é despoletado induz uma certa reacção comportamental, a intensidade é variável conforme a quantidade de carga despoletada. Isso são as emoções. (Mas as emoções - essa "explosão" muscular em intensidade - podem não ser a única fora de reagir, mas isso fica para outras paragens.)

Mas ainda falta explicar algo: como é que funciona esta relação entre a quantidade armazenada (redundância estrutural) e os fluxos lógico-comportamentais (redundância funcional). Porque para se explicarem a indução dos fluxos não se pode concentrar toda a explicação na quantidade. No domínio cognitivo os fluxos surgem do resultado de muita sintonização. E aqui a ideia de composição é fundamental.

Falar em sintonização é descrever um estado em que existe uma quantidade suficiente de sobreposição das composições dos conteúdos. Podemos denominar por grau de ajustamento. O emissor e o receptor têm de conseguir comunicar, isto é, o emissor só despoleta uma reacção no receptor se existir uma quantidade suficiente de elementos partilhados na composição do estímulo comunicado. É assim que se forma um fluxo. E uma trajectória de fluxo - um raciocínio ou um comportamento - porque são mais complexos exigem que se forme uma cadeia de "complexos emissor-receptor" sintonizados.

Assim, os valores constituem-se num sistema interligado, cooperante, que se retro-alimenta. E que influenciam e regularizam a lógica, o comportamento e os sentimentos. Quando implementada essa região fluída procurará manter a sua integridade e as suas elevadas taxas de reprodução. É desta forma que se pode falar em inércia, ela não é real, é uma idealização. A regularidade é uma questão de probabilidade: de se manterem por um determinado período reacções altamente influenciadas por um mesmo conjunto de conteúds mentais.Os valores são uma região que evoluiu para se tornar a mais fluida: mais sobreposições na composição dos complexos emissor-receptor e mais quantidade de complexos desse tipo.

Em conclusão: a resposta emocional é uma reacção simples, em intensidade, de um estado inercializado. E varia na sua intensidade em função da conjugação da quantidade e da fluidez da região estimulada. Desta forma os sentimentos são o pulsar do estado do sistema: a partir da visão interna, vivida, servem para sinalizar, da versão externa, analisada, pode ser encarada como a medida da resiliência desse estado.

domingo, 8 de março de 2009

Inércia cognitiva - relação pensamento-comportamento

Neste texto vou alargar mais um pouco a visão sobre o papel dos valores em toda a dimensão do ser humano. A estrutura de valores também pode ser vista como uma plataforma que regulariza e articula os nossos diferentes domínios cognitivos: pensamento, comportamento e emoções. Defendo aqui que anda tudo ligado.

Já desenvolvi uma parte da dinâmica que se estabelece entre o raciocínio e os valores. Agora passarei a explicar como é que me parece ser a relação entre essas estruturas governativas com os comportamentos e as emoções. No primeiro caso a dinâmica não difere muito daquela que tenho vindo a explorar. Vamos então começar pela relação entre comportamento e pensamento.

O nosso comportamento também tem a sua regularidade: que nós denominamos por hábitos. Aquilo que acredito é que os hábitos são condicionados pelos nossos valores e vice-versa. Cada estado do nosso sistema cognitivo é o resultado de uma co-evolução entre estes dois domínios: comportamento e pensamento.

Como vimos a dinâmica mental tende a promover distribuições assimétricas na quantidade dos seus conteúdos e, também, diferenças na frequência com que surgem na nossa comunicação. Existe assim uma correlação (não sei se linear ou não) entre valores e conteúdo comunicado. Aqueles que surgem em maior quantidade são os mais valorizados, os mais valorizados aumentam a sua taxa de reprodução. É isso que os faz, aos nossos valores, estruturas estáveis.

A forma como essa valorização influencia os nossos comportamentos, para além do linguístico, também é óbvia: o que é mais valorizado é também mais procurado, e isso é promotor de dinâmicas de estabilização do comportamento dirigido para observação (ou para outro domínio sensorial). Porque valorizamos procuramos, porque procuramos usamos, porque usamos mais reproduz-se mais, se se reproduz mais aumenta a sua distribuição, logo é mais valorizado, e assim por diante. Criando um circuito fechado - um hábito - que se auto-alimenta. Tudo baseado num jogo de assimetrias e correlação entre taxas de reprodução (frequência) e quantidade armazenada (redundância).

Por outro lado, a nossa própria avaliação sobre os nossos próprios comportamentos também é influenciada pelos nosso valores. Se um conjunto de movimentos nos dá, porque assim o entendemos, alguma eficácia comportamental, uma certa vantagem, vamos assinalar mentalmente essa situação, assinalando na memória o comportamento vantajoso. Mas essa eficácia é avaliada em função das nossas valorizações prévias: algo que dá vantagem, no âmbito da melhoria das relações com algo que já valorizamos, recebe mais atenção e mais ponderação, relativamente a algo que nos dá vantagem sobre um assunto que nos é completamente indiferente. E assim se produz mais uma dinâmica de retro-alimentação que regulariza e articula a dinâmica de raciocínio, linguagem, atenção e outros comportamentos.

Criando uma correlação que se estabelece entre todas estes domínios que se pode denominar por por Estado Cognitivo. E cada estado é composto por uma Inércia Cognitiva. Cada ser humano tem o seu nicho, logo cada ser tem o seu estado inercial.

É importante ter em atenção que por agora só estou a explorar o lado construtivo da coisa. Existe uma outra dinâmica que produz destruturação e, se for profunda, pode levar à substituição do estado inercial.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Sistema de valores e nicho cognitivo

No post anterior concluí que cada indivíduo tem o seu sistema de valores próprio. Não existem dois iguais. E, como é a partir desse sistema que se gera a lógica, cada indivíduo tem a sua própria lógica. Ora, esta afirmação tem consequências drásticas sobre a forma como podemos ou devemos olhar para nós próprios como ser humanos. Para tal convêm explorar um pouco mais o seu significado.



Parece-me óbvio que qualquer estrutura de valores é finita - ou seja, cada sistema de valores individuais é composto por um número finito de conteúdos mentais. Como todos os novos conteúdos mentais são gerados a partir de raciocínios feitos a partir de conteúdos já previamente armazenados na mente, as possibilidades lógicas abertas, por cada acto de criatividade, são limitadas. As combinações possíveis que se podem fazer a partir de um número limitado de conteúdos são sempre tambem elas limitadas. Logo a amplitude cogntiva de cada indivíduo é ela própria limitada. Cada um de nós vive num dado espectro e a consequência desta dinâmica é a existência de nichos cognitivos diferenciados. Cada ser humano vive no seu.



Como o resultado de cada raciocinio lógico depende de um composição previamente estabelecida, e como essa composição é diferente para todos, a interacção entre indivíduos é sempre parcialmente problemática. Como vivemos numa sociedade onde a diferenciação profissional e pessoal é um valor muita acarinhado, as trajectórias pessoais são cada vez mais divergentes, as estruturas de valores cada vez mais diversas e portanto, o esperado, é que as dificuldades de comunicação sejam cada vez maiores.



Talvez!...



A não ser que nos preparemos para isso e saibamos retirar partido dessa situação, relacionando-nos com uma nova capacidade para lidar com o "estranho" ou com aquilo que não nos faz sentido. Para colmatar os problemas associados à comunicação e entendimento postos pela valorização da diferenciação das trajectórias individuais é necessário uma ética que não se oponha à própria natureza da defesa da auto-determinação. É necessário uma ética equilibre as possibilidades individuais com as necessidades do colectivo. Uma ética informativa e pluralista.

quinta-feira, 5 de março de 2009

A função dos valores - auto-referência

Os valores são suportes lógicos do raciocínio individual - são "ganchos" da mente - que servem de geradores lógicos. E cada um tem a sua -única e identitária.


Os valores são mesmo os habitantes da mente que mais influenciam a construção de cada raciocínio. Ou seja, cada conteúdo mental, resultante de um processo de raciocínio, é composto preferencialmente por elementos que pertencem também à composição da estrutura de valores. Acontece o mesmo com o código genético dos filhos, este é parcialmente partilhado com os genes dos pais porque é recebido em herança. No processo de raciocínio cada novo pensamento-filho partilha no seu código uma grande parte da estrutura dos valores-pais.


É importante reconhecer que esta visão defende implicitamente que todo o raciocínio é formado a partir de outro - o que numa linguagem cognitivista pressupôe dizer que todo o conteúdo mental é gerado a partir de outros conteúdos da mente. E os valores asseguram uma parte importante dessa dinâmica de ciclos geradores de conteúdos mentais.

Isso acontece devido à sua posição central (redundante, frequente e intensa) na estrutura topológica de cada mente. A essa posição é usualmente consignado o termo confiança.

A emergência de um conteúdo "banal" à categoria de valor processa-se da seguinte forma: algo acontece, uma experiência, que permite melhorar a confiança num conjunto de raciocínios lógicos, os conteúdo que lhes dão corpo surgem com maior frequência nos processos mentais e comunicacionais quotidianos. E porque aumenta a sua participação no processo de composição dos novos conteúdos mentais sobe, mais ainda, a confiança que lhes é atribuida. Nessa altura os valores estão disseminados na mente de forma tão profunda que acabam por integrar com uma elevada probabilidade e com uma elevada contribuição cada processo de raciocínio. Portanto, subiram na sua frequência estrutural - redundância -, subiram na sua frequência comunicacional e subiram na sua intensidade reaccional (emocional). Quando atingem esse limiar de confiança é-lhes atribuído a designação de valores e situam-se como a fonte auto-referencial da dinâmica mental de cada indivíduo.

Este processo por ser tão co-dependente da relação que se estabelece entre as experiências passadas e cada estrutura resultante - cada estado do sistema - faz de cada indivíduo uma entidade com uma lógica própria: auto-referente, única, irrepetível e identitária.

terça-feira, 3 de março de 2009

Uma visão diferente da função da ética

A questão mais premente que se coloca ao cidadão da sociedade complexa é lidar com a mudança. Se o nosso quotidiano evolui permanente e bruscamente é fundamental manter um certo nível de prontidão para responder a esse desafio.

Mas a mudança não é apenas a substituição dos modelos comportamentais, tal como acontece pelo processo de alternância nas sociedades abertas (democráticas e inovadoras). A mudança de paradigma lógico é também um acontecimento quotidiano. Na nossa sociedade coabitam diferentes culturas, com paradigmas lógicos e comportamentais díspares, logo, sempre que mudamos de cenário social, a interacção com a nova estrutura cria uma pressão para fazer uma ruptura mental com o estado anterior - deverá, portanto, emergir uma nova composição mental, mais adequada para o relacionamento com esse novo nicho. Sendo assim, a sociedade em mutação permanente necessita de uma estrutura de governação das relações sociais que evolua e promova a evolução e capacidade de ajustamento mental do indivíduo.

É por isso que, não é só importante desenvolver uma nova ética, é necessária uma visão diferente da sua função. O seu objectivo não deve ser o de bloquear a criatividade e a comunicação entre cidadãos, não deve servir apenas para restringir comportamentos, não deverá contribuir decisivamente para responder aos desafios de cada um em cada caso concreto, deverá rejeitar o absoluto e o eterno. Servirá para melhorar a eficácia da relação do indivíduo com a vastidão de estímulos que caracterizam a sua envolvente. É uma ética de processo, que procura estimular os elementos do sistema a fluir. Isto é, manter a conversação permanente do indivíduo consigo mesmo e com os outros.

Denominamos esta como a ética da aprendizagem. Acreditamos na importância da manutenção do equilíbrio entre dois eixos desenvolvementistas: a expansão e o ajustamento.

Ética formativa e pluralista

A humanidade está a evoluir desde sempre, isso deve-se à nossa capacidade de armazenar e organizar os estímulos que nos envolvem, tanto individualmente como colectivamente.

A memória e a capacidade de organização dos conteúdos mentais através do pensamento e da comunicação está a fazer surgir uma sociedade com características completamente novas. A propriedade que melhor identifica essa novidade é a COMPLEXIDADE.

O que distingue a sociedade complexa das anteriores é o facto de termos ultrapassado um limiar de quantidade de conhecimento armazenado. E isso está a provocar uma ruptura com as práticas sociais estabelecidas.

A origem da mudança é sobretudo na intensidade, mas as consequências são qualitativas. Atingido esse estado do sistema - com uma certa quantidade de conteúdos mentais organizados e com uma extensão do sistema cognitivo por via das tecnologias - apresentam-se novos desafios, jamais enfrentados pelos seres humanos.

Níveis de estimulação humana muito elevada, convivência quotidiana com culturas e lógicas profundamente díspares, exigências de âmbito global, alternância consecutiva dos modelos comportamentais, requalificação do corpo humano, e muitos outras transformações.

Para lidar com esta nova ordem tem de ser uma ética CONSTRUTIVA, para além do seu papel restritivo atríbuido no passado, e de PROCESSO, ao invés de ser essencialista. A ética para o futuro poderá ser classificada como uma META-RACIONALIDADE. É uma ética de aprendizagem, (in)formativa e pluralista.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Sinapsianos

A sinapsilândia pretende ser para todos aqueles que querem pensar, debater, conhecer e agir sobre a humanidade - é o lugar dos sinapsianos.

O mundo evoluiu para uma sociedade nova, complexa e global. Parte desta transformação terá efeitos nas relações entre pessoas, entre pessoas e instituições e entre instituições.

Um dos grandes desafios das várias culturas e das pessoas, neste mundo global, é manter um certo nível de diferenciação mantendo-se abertas à conversação com as outras. Portanto, manter identidade sem perder a capacidade de co-evoluir.

Este desafio requer uma nova abordagem - uma nova ética.

Este será o desafio de todos os sinapsianos: desenvolver uma ética que esteja ajustada aos desafios da sociedade nova, complexa e global.