terça-feira, 8 de setembro de 2009

Dilema e uma moral ajustada

No que toca à capacidade cognitiva individual a estrutura de estímulos ambientais sempre foi muito complexa. Todavia as sociedades actuais são cada vez mais exigentes. São-no porque a estrutura de estímulos que constitui o quotidiano de cada um de nós é hoje mais complexa: o nosso contexto é diverso, instável e incoerente.

Os nossos quotidianos exigem que se trabalhe com gente e equipamentos diversos, cujas formas de funcionamento se baseiam em diferentes pressupostos e em constante evolução. As figuras que estão nos cargos de poder estatais, das empresas, nas associações, etc., são substituídas por outras e com elas as instruções de funcionamento. Muitas regras sociais mudam rapidamente, inclusive são diferentes de lugar para lugar e de instituição para instituição. Isto é, nas nossas sociedades actuais as instruções emanadas pelo poder são multilógicas, tanto no espaço como no tempo.

Ora, em função do que foi dito no post anterior isto significa, por um lado, que existem inúmeras regularidades que nos circundam e nos solicitam respostas específicas e, por outro, que a composição lógica dessas regularidades surge frequentemente irreconciliável. Parece-me lícito afirmar que a convivência com a disparidade e incoerência ambiental exige muito de nós, uma vez que uma das missões do nosso cérebro é criar um sentido coerente acerca da nossa envolvente. Sabendo que a nossa organização cognitiva resulta da interacção com o nosso contexto só podemos concluir que a nossa mente é, hoje, muitíssimo fragmentada. Falo de fragmentação lógica, obviamente.

E não é tudo. Vivemos hoje em sociedades de produção: a nossa cultura é simultaneamente de produção em massa e inovação a todos os níveis. Seja para a economia, para a arte, saúde, educação e política é importante comunicar, inovar, produzir, aprender, tentar, colaborar, investir,... A cada cidadão é pedido que produza e reproduza bens, opiniões, ideias, e isso requer uma enorme capacidade cognitiva. É por isso que se diz que é mais importante estimular do que reprimir; que é mais importante fazer e falhar do que não arriscar. Estas instruções estão de acordo com as necessidades da cultura de produção, na qual manter uma boa função cognitiva, fluida, de baixa conflitualidade interna, é determinante.

Vivemos numa sociedade de produção que exige eficácia, logo adequação às especificidades de cada situação, e isso exige muita consulta e envolvência com o dito ambiente complexo. Todavia vivemos num ambiente disperso e incoerente que é em si mesmo um factor potenciador de conflitualidade lógica. Uma das consequências desse imperativo, de estreitar a relação com a realidade fragmentada é a necessidade de convocar recorrentemente inúmeros elementos lógicos diferentes e criar diferentes conjugações da estrutura de decisão (ou de poder). Pretende-se com isso adequar a estrutua de decisão a cada situação. Contudo, neste ambiente, com esta dinâmica, é comum convocar para a estrutura de decisão certos valores que entram em conflito. Isto é, na nossa sociedade confrontamo-nos frequentemente com dilemas que exigem grandes compromissos. Ora esses conflitos podem pesar e criar indecisão. E a indecisão é uma contrariedade no âmbito das sociedades de produção.

Portanto, quanto mais diversa e incoerente é a nossa sociedade mais difícil é estabelecer um sentido adequado para cada situação, mas a sociedade de produção exige prontidão nas respostas, logo conhecimento concreto para cada domínio específico da realidade, e isso é potenciador de conflitualidade interna. Esta dinâmica encerra inúmeros dilemas do nosso quotidiano.

Para lidar com esta sociedade precisamos de encontrar uma moral que nos congregue mas não nos encerre cognitivamente, que, não resolvendo o dilema, facilite a nossa convivência com as escolhas. Uma moral que nos incentive a ser multidimensionais e simultaneamente nos confira identidade. Uma moral que promova a boa função cognitiva, porque só desta forma vivemos adequadamente com o nosso meio.

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